Teletrabalho fora de Portugal: Empresa pode recusar? E onde pago imposto?

Se planeia trabalhar remotamente este verão, saiba como evitar multas e riscos no teletrabalho além-fronteiras.

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Beatriz Vasconcelos e Anabela Sousa Dantas
19/07/2025 08:32 ‧ ontem por Beatriz Vasconcelos e Anabela Sousa Dantas

Economia

Teletrabalho

Se trabalha para uma empresa em Portugal, mas tem direito a teletrabalho e intenção de sair do país, este artigo é para si. O Notícias ao Minuto inquiriu junto de especialistas sobre os desafios legais, fiscais e laborais que o teletrabalho internacional pode trazer, especialmente se for uma situação temporária.

 

Importa saber, por exemplo, que o trabalhador poderá ser alvo de dupla tributação se permanecer mais de 183 dias noutro país, uma vez que pode ser considerado residente fiscal nesse território. Paralelamente, continua a ser abrangido pelo regime de Segurança Social de Portugal, mas só se trabalhar menos de 50% do tempo fora do país.

Há, também, limitações: a empresa pode recusar o trabalho remoto fora do país com base em critérios operacionais, legais, de segurança ou fiscais, desde que acordado previamente por escrito.

A PRA - Raposo, Sá Miranda & Associados, pela voz de Ana Cardoso Monteiro, associada sénior da área de Laboral, e Rita Pinto Guimarães, advogada estagiária da área de Fiscal, respondeu a algumas das dúvidas mais comuns sobre o tema, seja do ponto de vista das obrigações da empresa ou do trabalhador.

A situação de teletrabalho no estrangeiro tem sido equiparada, para efeitos de comunicação às autoridades competentes, ao destacamento

Que deveres tem a empresa perante a ACT e a Segurança Social?

Nas disposições legais, previstas no Código do Trabalho, esta matéria é omissa. No entanto, a situação de teletrabalho no estrangeiro tem sido equiparada, para efeitos de comunicação às autoridades competentes, ao destacamento. Nesta medida, deverá a entidade empregadora: comunicar, com 5 dias de antecedência, à ACT a identidade dos trabalhadores a destacar para o estrangeiro, o utilizador, o local de trabalho, o início e termo previsíveis da deslocação. Sendo que, antes do início do destacamento deverá ser pedido, junto da Segurança Social, o documento portátil A1, por forma a que os descontos ocorram em Portugal.

Quanto a esta matéria da Segurança Social, e sem prejuízo do melhor se detalha na resposta à segunda questão, de acordo com o Acordo-Quadro multilateral que estabelece um novo regime específico para situações de teletrabalho não permanentes e que foi assinado por 17 países, entre os quais Portugal, em caso de teletrabalho, os trabalhadores não ficam necessariamente sujeitos à legislação de Segurança Social do seu Estado de Residência (como prevê a regra geral), mas à do Estado do empregador, desde que o teletrabalho transfronteiriço no Estado da Residência seja inferior a 50% do tempo total de teletrabalho.

Notícias ao Minuto Ana Cardoso Monteiro e Rita Pinto Guimarães© PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados

Há riscos de dupla tributação ou incumprimento fiscal?

De uma perspetiva tributária, colocam-se diferentes problemas. Desde logo, ao nível da tributação do rendimento, poderão colocar-se problemas de dupla tributação nos casos em que a estadia veranil se prolongue por mais de 183 dias (sejam eles seguidos ou interpolados), já que a maioria das convenções para evitar a dupla tributação, adota como critério para a determinação da residência fiscal, o período de permanência no território de um Estado. 

Deste modo, temos como ponto fulcral da questão colocada, ainda que assim não o seja numa primeira acessão, a residência fiscal do trabalhador. Ora, se este estender a sua passagem por um país estrangeiro por mais 183 dias, poderá vir a ser considerado residente fiscal desse país, o que poderá implicar que esse mesmo Estado passe a ter competência para tributar os rendimentos decorrentes dos salários auferidos pelo trabalhador, com os demais deveres declarativos que lhe sejam inerentes.

Neste cenário, o prolongamento da estadia veranil poderá culminar num problema de dupla tributação, o que ocorre quando o rendimento é passível de ser tributado tanto em Portugal, enquanto país de origem do rendimento, como no estrangeiro, no país a partir do qual o trabalho é efetivamente (ainda que parcialmente) prestado.  

Chegados a este ponto, cumpre ressalvar que Portugal já celebrou diversas Convenções para Evitar a Dupla Tributação com vários países, as quais estabelecem as regras suscetíveis de determinar qual daqueles terá direito a tributar o rendimento.

Analisado o lado do trabalhador, deveremos tecer algumas considerações sobre a entidade empregadora, a qual não é alheia às consequências da situação em apreço, em particular no que respeita às suas obrigações perante a Segurança Social.

Com efeito, caso o país da estadia veranil seja um Estado-Membro (“EM”) da União Europeia, importa ter presente o Regulamento (CE) n.º 883/2004 (na sua versão mais recente), o qual estabelece a regra geral que, sendo o trabalho desenvolvido num dos países da União Europeia, o trabalhador deve ficar sujeito à legislação da segurança social do Estado-Membro onde exerce a sua atividade profissional. 

Conforme disposto no Regulamento (CE) n.º 883/2004, sendo o trabalho desenvolvido num dos países da União Europeia, deve a pessoa ser sujeita à legislação da segurança social do Estado-Membro onde exerce a sua atividade profissional. Como tal, se um trabalhador exerce a sua atividade (no caso, em teletrabalho) num EM diferente daquele onde a empresa está sediada, a legislação da segurança social aplicável será, em princípio, da do EM onde o trabalho é realizado. 

Por outro lado, caso a escolha do destino de férias passe por um país que não se inclua na União Europeia, os problemas inerentes às contribuições para a segurança social terão de ser solucionados com recurso a acordos bilaterais que estabelecem as regras sobre qual será a legislação aplicável. A regra geral é que será aplicável a legislação do país no qual o trabalhador se encontra, mesmo que este resida ou que a entidade empregadora não tenha a sua sede principal ou domicílio nesse mesmo território.

Na ausência de um acordo bilateral, será aplicável a legislação da segurança social do país de destino, consequentemente, ambos (trabalhador e entidade empregadora) poderão ver-se obrigados a fazer contribuições para a Segurança Social de um país estrangeiro.

O empregador poderá limitar o referido local de trabalho, mas desde que essa limitação decorra de questões operacionais, de segurança e saúde ou até mesmo fiscais

A empresa pode recusar ou limitar o trabalho remoto fora do país?

Esta acaba por ser das questões mais debatida no âmbito do teletrabalho internacional, isto é, a dificuldade em equilibrar a liberdade do trabalhador em escolher o local de prestação do trabalho e, a par disso, os deveres do empregador e os limites operacionais da relação laboral. Pensemos, por exemplo, como conciliar o teletrabalho fora de Portugal com o disposto no artigo 169.º-A do Código do Trabalho “1 - As reuniões de trabalho à distância, assim como as tarefas que, pela sua natureza, devem ser realizadas em tempos precisos e em articulação com outros trabalhadores, devem ter lugar dentro do horário de trabalho e ser agendadas preferencialmente com 24 horas de antecedência. 2 - O trabalhador é obrigado a comparecer nas instalações da empresa ou noutro local designado pelo empregador, para reuniões, ações de formação e outras situações que exijam presença física, para as quais tenha sido convocado com, pelo menos, 24 horas de antecedência” e com o dever que impende sobre a empregadora de “Diligenciar no sentido da redução do isolamento do trabalhador, promovendo, com a periodicidade estabelecida no acordo de teletrabalho, ou, em caso de omissão, com intervalos não superiores a dois meses, contactos presenciais dele com as chefias e demais trabalhadores.”, resultando do artigo 169.º-B, alínea c). 

Mas vejamos, do Código não decorre que o teletrabalho tenha de ocorrer só em Portugal, mas também não garante ao trabalhador o direito absoluto de teletrabalhar no estrangeiro. 

Nesta medida, e conforme resulta da Lei, deverá existir acordo entre as partes, por escrito, sobre o local habitual em que prestará o seu trabalho, que será considerado para todos os efeitos o seu local de trabalho. Ainda assim, cremos que o empregador poderá limitar o referido local de trabalho, mas desde que essa limitação decorra de questões operacionais, de segurança e saúde ou até mesmo fiscais.

Como se aplica o regime de acidentes de trabalho no estrangeiro?

Neste ponto, mais uma vez, a definição do local de trabalho é igualmente relevante para este efeito, porquanto, para além de ser necessário constar do acordo para prestação do trabalho em regime de teletrabalho, deverá ser previamente comunicado à seguradora para a qual está transferida a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, garantindo assim a cobertura dos sinistros que neste âmbito possam ocorrer. Será igualmente pertinente que à seguradora seja transmitida a duração do acordo de teletrabalho naquele local ou locais.

Que cláusulas contratuais podem ou devem ser aplicadas nestes casos?

Para além do que resulta das menções obrigatórias que resultam do artigo 166.º do Código do Trabalho, entendemos ser relevante constar o seguinte, nomeadamente: 

  • O local ou locais de prestação do trabalho naquele regime, o que assume particular relevância em caso de prestação da atividade no estrangeiro; 
  • A duração da prestação da atividade no estrangeiro; 
  • As responsabilidades fiscais e contributivas nesta matéria, bem como a adaptação do disposto nos artigos acima indicados 169.º-A e 169.º-B do Código do Trabalho. 
  • Termos da cessação do acordo de teletrabalho, ainda que já resulte da Lei. 
  • Regime da reparação em matéria de acidentes de trabalho. 

Leia Também: Líder da Dropbox 'ataca' empresas que decidem abolir teletrabalho

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