"Todos os dias, muitas mulheres enfrentam esta escolha aparentemente banal, mas carregada de significado. Parece simples, mas por detrás dessa pergunta moram anos de micro-decisões que moldam carreiras, esgotam corpos e alimentam culpas.
A maternidade e o trabalho continuam, muitas vezes, em tensão.
O equilíbrio aparece nas políticas das empresas, nas brochuras dos RH, nos discursos públicos. Mas no dia a dia, a realidade nem sempre acompanha a teoria: horários reduzidos que são acompanhados de olhares enviesados, reuniões marcadas às 18h00, pressão subtil para estar sempre disponível. E a dúvida constante entre estar presente na vida dos filhos ou mostrar compromisso com o trabalho.
A pandemia trouxe, de forma inesperada, uma mudança abrupta nas rotinas profissionais.
Mostrou que é possível trabalhar com flexibilidade, autonomia e foco em resultados. Em muitos contextos, funcionou bem - até melhor do que o esperado. Novos hábitos ganharam espaço, como a comunicação assíncrona e a gestão mais personalizada do tempo. Por um momento, pareceu que estávamos a caminhar para modelos mais adaptados à diversidade de vidas que existem dentro das empresas.
Hoje, no entanto, por todo o mundo, observa-se um movimento de regresso à presença física nos escritórios. Muitas empresas têm decidido voltar a este modelo, invocando razões como o reforço da colaboração, o fortalecimento da cultura organizacional, a mentoria de talento júnior - os jovens são a faixa etária que precisa de mais acompanhamento e à distância não é fácil que sintam as mais-valias da aprendizagem, gerando total confiança - ou a coesão de equipas que, em modelos remotos, por vezes se fragmentam.
Mas há também motivos mais simples - e igualmente humanos - que justificam esse regresso: o reencontro com colegas, o convívio, a amizade e a partilha informal espontânea que se perde nas videochamadas, a facilidade das conversas de corredor que resolvem dúvidas em segundos, a energia de uma sala cheia quando uma ideia entusiasmante surge, a construção de relações com clientes que, presencialmente, ganham outra proximidade.
São elementos que o remoto, por mais eficiente que seja, nem sempre consegue replicar. São argumentos válidos e consistentes com os desafios reais que muitas organizações enfrentam. Ainda assim, a produtividade continua a medir-se por resultados concretos, não pelo tempo passado no computador. E talvez seja nesse equilíbrio - entre presença e autonomia - que resida a chave para um futuro mais funcional e humano.
Há tempos li uma reportagem que espelha algumas das tensões associadas a este tema. Homens que optam por usufruir da licença parental, por exemplo, continuam a relatar consequências significativas: o “Jorge” foi despedido no dia em que pediu horário reduzido para cuidar da filha. Outro pai, “Artur”, regressou da licença com a sensação de já não ser bem-vindo. Se estes casos levantam questões relevantes quando falamos de paternidade, imaginemos o que acontece com a maternidade, historicamente associada ao papel de cuidadora.
O mundo do trabalho tem vindo a experimentar novos formatos, procurando respostas para realidades cada vez mais diversas. Modelos como a semana de quatro dias, a comunicação assíncrona ou estruturas mais flexíveis de gestão de tempo têm sido testados em diferentes contextos, com resultados variados. Nem todas as experiências se mantêm, mas todas contribuem para um entendimento mais rico sobre o que funciona - e para quem funciona.
Não é necessário olhar muito longe para encontrar quem esteja a tentar fazer diferente. Às vezes, essas histórias estão mesmo ao nosso lado - nos colegas, nos líderes, nas equipas que ousam desafiar o formato tradicional e experimentar outra forma de estar. E talvez seja ouvindo estas experiências, e reconhecendo a complexidade de cada uma, que conseguimos imaginar um futuro onde trabalhar e cuidar deixem de ser escolhas mutuamente exclusivas."*
*Texto escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 em vigor desde 2009.