"Sim, Trump tinha autoridade para ordenar os ataques. (...) Tem aqui uma margem muito grande para atuar e tem muitos precedentes a seu favor. Em rigor, Trump não fez nada de inédito", defendeu o professor de Direito da Universidade de Coimbra em declarações à Lusa.
O chefe de Estado norte-americano tem sido duramente criticado - a até alvo de pedidos de destituição - por não ter notificado o Congresso, nem procurado autorização, antes de atacar três instalações nucleares iranianas no passado fim de semana.
Congressistas, maioritariamente democratas, têm acusado Trump de "abusar dos poderes presidenciais ao ignorar a separação de poderes" e levar a democracia norte-americana ao "autoritarismo ao usurpar inconstitucionalmente o poder do Congresso de declarar guerra".
Tendo em conta a Constituição norte-americana, críticos e aliados de Trump, e até alguns constitucionalistas, divergem na avaliação.
Há duas partes da Constituição dos EUA que são relevantes neste caso: Artigo I e Artigo II.
O Artigo I destaca especificamente a capacidade de "declarar guerra" como um dos poderes do Congresso.
No entanto, o Artigo II --- que define os poderes do chefe de Estado --- diz que "o Presidente será o Comandante-Chefe do Exército", e a Casa Branca tem usado esse artigo para justificar a intervenção dos EUA no conflito entre Israel e o Irão.
Especialistas constitucionais, como Luís Meneses do Vale, argumentaram que o Artigo II dá ao Presidente a autoridade para usar força militar em determinadas circunstâncias.
"O ponto forte da atuação de Trump é dizer que isto não foi uma guerra, mas sim uma intervenção pontual. O ponto fraco é que é sempre uma iniciativa americana. Ou seja, Trump não está a reagir a nada", explicou.
"Mas, no que diz respeito à guerra, esse até é dos domínios em que Donald Trump está mais confortável, porque não está a fazer nada que seja assim tão inédito", acrescentou.
A favor, os chefes de Estado têm ainda a aprovação pelo Congresso de Autorizações para o Uso da Força Militar (AUMF, na sigla em inglês), que conferem ao Presidente a capacidade de realizar atos militares limitados e definidos.
Por outro lado, há também a Resolução de Poderes de Guerra, aprovada em 1973 após a retirada dos EUA da Guerra do Vietname, especificamente destinada a limitar a capacidade do Presidente de travar uma guerra sem primeiro consultar o Congresso.
A história norte-americana está repleta de casos em que o Presidente agiu unilateralmente, sem recorrer à aprovação do Congresso.
Em 2011, Barack Obama (2009-2017) autorizou ataques na Líbia sem procurar obter a aprovação do Congresso, justificando esse ataque com o Artigo II da Constituição.
Durante o primeiro mandato (2017-21), Trump ordenou o assassínio do líder militar iraniano Qasem Soleimani sem a aprovação do Congresso.
Antes, Bill Clinton (1993-2001) atacou o Kosovo sem autorização prévia dos congressistas e, mais recentemente, Joe Biden (2021-25) fez o mesmo, atacando alvos Huthis no Iémen e na Síria durante a sua Presidência.
De acordo com Luís Meneses do Vale, também é discutível o termo "declarar guerra", frisando que em poucos momentos na história do país essa declaração foi feita.
"A verdade é que quando se aprovou a Constituição, houve várias propostas (...). Mas acabou por criar-se esta, que sempre suscitou muitas dúvidas, que é: o Congresso declara a guerra, mas depois quem faz a guerra é o Presidente", afirmou.
"O grande problema é que ao longo dos tempos a ideia da própria guerra mudou muito. Embora a interpretação de que iniciar hostilidades devia partir de um pedido previamente autorizado pelo Congresso, e o Presidente então atuava, a verdade é que isso praticamente nunca se fez. Há menos de meia dúzia de declarações de guerra na América", observou o docente.
A Carta das Nações Unidas veio mudar a forma como as guerras passaram a ser conduzidas, uma vez que o documento proíbe agressões armadas sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, o que levou a que "praticamente ninguém declarasse guerras", explicou Vale.
"Ou seja, é tudo uma questão de interpretação do conflito em si. Há um debate enorme de interpretação", sublinhou.
No entanto, o constitucionalista reconheceu igualmente a validade dos argumentos de congressistas democratas, como Alexandria Ocasio-Cortez, de que intervenções militares deviam passar pelo Congresso, por acreditar que o objetivo dos criadores da Constituição foi sempre que o Presidente não agisse "como um rei".
"Os criadores da Constituição não quiseram dar o poder de iniciar guerras ao Presidente sozinho. Porquê? Porque tinham essa memória, na altura havia essa grande preocupação de não quererem um rei, que é o que agora se está a discutir", afirmou o especialista.
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