"Se os estrangeiros forem embora, o Japão não tem gente para trabalhar"

A extrema-direita fez da imigração um dos temas da eleição para a câmara alta do parlamento, no domingo, mas vários residentes lusófonos alertaram que o Japão precisa de estrangeiros para enfrentar o envelhecimento populacional.

Number of foreign visitors to Japan surpass the 20-million mark in just six months for the first time ever

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Lusa
19/07/2025 14:15 ‧ ontem por Lusa

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Japão

"Se os estrangeiros forem embora daqui, o Japão já não tem para trabalhar. A mão-de-obra, até aqui, para nós também faltam pessoas", disse hoje à Lusa Rogério, de 43 anos, que trabalha num restaurante brasileiro em Osaka (centro-sul).

 

Nas últimas duas décadas, o número de trabalhadores no ativo diminuiu em cerca de três milhões. Até 2040, o Japão deverá enfrentar um défice de mão-de-obra de 11 milhões de pessoas, de acordo com uma estimativa do Recruit Works Institute.

"Sem estrangeiros, o Japão para. Japonês não quer trabalhar em qualquer serviço", explicou à Lusa outro brasileiro, Gilberto, que vive em Toyama, no centro do país.

No final de 2024, o Japão tinha 3,76 milhões de residentes estrangeiros, um máximo histórico, mas que apenas representa 3% da população. De acordo com a legislação em vigor, nenhum deles tem direito de voto nas eleições de domingo.

Mas isso não impediu a extrema-direita de apostar numa retórica abertamente xenófoba, ligando a criminalidade à imigração e prometendo regras mais apertadas para a atribuição de residência e excluir os estrangeiros dos benefícios sociais.

De acordo com dados oficiais, em 2024, estrangeiros, incluindo residentes e pessoas em situação irregular, cometeram 2,2% dos crimes registado no Japão.

"Claro que estamos tendo problemas hoje em questões de segurança. Tem muitos estrangeiros que estão vindo para o Japão e estão fazendo muitas coisas erradas", admitiu Rogério.

"Mas isso de mandar estrangeiro embora, tem tanta coisa na Internet, mas eu acho que é muito 'fake news' [notícias falsas]", sublinhou o brasileiro.

Fundado em 2020, o partido de extrema-direita Sanseito tem usado redes e plataformas sociais para disseminar teorias da conspiração e desinformação xenófoba, observou Jeffrey J. Hall.

O especialista da Universidade de Estudos Internacionais de Kanda explicou que as emissoras japonesas "são legalmente obrigadas a manter a neutralidade política durante as eleições, pelo que a sua cobertura é muitas vezes bastante monótona".

"Em contraste, os canais do YouTube demonstram um extremo alinhamento político e podem obter enormes visualizações quando promovem mensagens sensacionalistas contra estrangeiros", disse Hall.

"Os estrangeiros são usados como alvos para expressar descontentamento", disse Yu Uchiyama, professor de ciências políticas na Universidade de Tóquio, que estabeleceu um paralelo com a ascensão da extrema-direita na Europa e nos Estados Unidos.

Em 08 de julho, oito organizações de defesa dos direitos dos estrangeiros e refugiados denunciaram a inclusão de mensagens xenófobas na campanha eleitoral e sublinharam que os imigrantes não recebem tratamento preferencial no Japão.

Uma opinião confirmada por Rogério, que destaca ainda "a barreira da língua", que torna alguns estrangeiros vulneráveis à exploração.

As sondagens sugerem que o Sanseito, atualmente com dois lugares na Câmara dos Conselheiros, poderá conquistar mais de dez dos 125 lugares em disputa nas eleições de domingo para a câmara alta do parlamento, composta por 248 membros.

Com a coligação do primeiro-ministro Shigeru Ishiba em risco de perder a maioria na Câmara dos Conselheiros, o partido no poder adotou parcialmente o discurso anti-imigração.

Na terça-feira, Ishiba inaugurou um gabinete especial para tratar de questões relacionadas com residentes estrangeiros, dizendo que irá ouvir as preocupações dos japoneses, incluindo alegados abusos do sistema de segurança social.

Ironicamente, diz Rogério, que vive no Japão desde os 14 anos, "antigamente até que, sim, tinha 'bullying', tinha preconceito", porque o país "antes era muito mais fechado".

Daniel, um angolano que vive há 14 no Japão, admitiu o peso do choque cultural: "O povo japonês é muito severo e vais ter que deixar algumas coisas que estás habituado a fazer, porque aqui tens que seguir mesmo a linha dos japoneses".

Rogério, casado com uma japonesa e com filhos, sublinhou que atualmente as escolas japonesas "ajudam as crianças [de estrangeiros] a falar e a escrever o japonês".

"Eu hoje não vejo discriminação", garantiu o brasileiro. Quanto aos apelos anti-imigração, "o japonês não quer isso, ele é aberto aos estrangeiros", acrescentou.

Leia Também: Inflação no Japão abranda mais que previsto, mas preço do arroz duplica

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