Para a docente da Universidade do Minho, em causa está a ausência de pareceres obrigatórios no processo de aprovação e limitações no acesso à justiça que constam nas alterações do "regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional".
"Do ponto de vista processual, houve irregularidades" na aprovação parlamentar do diploma, pelo facto de "não terem sido pedidos pareceres obrigatórios", explicou Patrícia Jerónimo, em declarações à Lusa.
Em causa estão os pareceres do Conselho Superior da Magistratura (CSM), e do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), pedidos com um prazo de apenas dois dias, mas também a não audição de constitucionalistas e associações de imigrantes, requeridas formalmente pelos partidos da oposição.
Os órgãos já informaram o parlamento de que não tinham condições para emitir um parecer jurídico em tão pouco tempo.
Além disso, a nova lei reduz o direito de recurso aos tribunais para quem tiver decisões administrativas por parte da AIMA, algo que pode fazer o diploma incorrer na "violação no direito de acesso à justiça", alerta a investigadora, com uma tese sobre migrações e cidadania em Portugal, na União Europeia e lusofonia.
"Não poder recorrer aos tribunais de uma decisão do reagrupamento familiar é altamente problemático", porque, segundo a lei geral, "as decisões administrativas são sempre passíveis de recurso para os tribunais", considerou a docente, especialista em migrações.
Hoje, os políticos têm a ilusão de que podem criar uma fortaleza na Europa, mas "as coisas são mais complexas", porque as "rotas migratórias não terminam, as rotas desviam-se", mas a "pressão vai manter-se e o país precisa de mão-de-obra".
No passado, "Portugal esteve de algum modo protegido da pressão migratória porque havia outros destinos mais apetecíveis do ponto de vista geográfico e financeiro".
No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, Portugal teve uma primeira vaga migratória, do leste europeu e de fora do espaço lusófono, e isso foi visto por muitos portugueses, "de forma quase ufana", como um sinal de que o país "tinha entrado no clube dos ricos" e era apetecível, do ponto de vista dos imigrantes económicos.
A presença destes imigrantes gerou, pela primeira vez, a discussão sobre a integração de estrangeiros, levando a políticas públicas assentes essencialmente no ensino da língua portuguesa.
Então, "Portugal parecia um país altamente inclusivo" e isso "batia certo com uma certa ideia de país acolhedor, multicultural e tolerante", algo que veio a mudar nos anos mais recentes quando mudaram os países de origem dos imigrantes.
"Começámos a ter também uma onda de sentimento antiestrangeiro e as respostas jurídicas seguem essa linha": os dirigentes partidários "foram buscar a ideia de que é politicamente útil demonizar os imigrantes", considerou.
Apesar de tudo, em Portugal, a maioria dos políticos "ainda tem preocupações no discurso e mostra alguma patine de humanidade" em relação aos imigrantes, alegando que este endurecimento das leis visa criar uma "sociedade coesa e com integração".
As mudanças das regras do reagrupamento familiar, adiando por dois anos os requerimentos após a atribuição das autorizações de residência, são um sinal desta mudança de atitude do Estado português.
A "diretiva europeia estabelece balizas para o reagrupamento familiar" e Portugal tinha a solução mais favorável aos requerentes dentro desses limites, porque "não há nada de errado em que o imigrante possa trazer a família nuclear" para junto de si.
"Agora, opta-se por uma solução que deixa os imigrantes a viverem sozinhos e isso trará custos de integração", afirmou a jurista, considerando que "era preferível ter famílias" e não indivíduos isolados.
Ora, isso também exige recursos ao Estado, com investimentos em serviços públicos, porque a "responsabilidade não pode ser posta só nos imigrantes", defendeu Patrícia Jerónimo, recordando que a própria Comissão Europeia tem insistido que a integração é um processo bidirecional, que exige esforços tanto dos imigrantes como da sociedade de acolhimento.
Uma das críticas ao diploma em apreciação por Marcelo Rebelo de Sousa é o fim do tratamento preferencial aos imigrantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
"Foi curioso o debate parlamentar: os partidos à direita são os que são mais tradicionais na defesa da lusofonia" e foram quem aprovou "esse recuo que agora temos", porque o "acesso ao território português torna-se mais difícil".
A partir de agora, todos os vistos de trabalho têm de ser emitidos nos países de origem e quem entra com outro tipo de visto não pode mudar de estatuto no território português.
Contudo, a jurista refere que esta alteração não coloca em causa o acordo de mobilidade da organização, porque é um tratado que "permite uma grande latitude aos Estados" na forma como o implementam.
"Portugal esteve na dianteira e parecia estar muito empenhado na promoção do acordo e agora está a retroceder nos direitos que inscreveu na lei ao abrigo desse acordo", considerou, embora admitindo que o tratado "não é uma camisa-de-forças jurídica para o Estado português".
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