Numa altura em que a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) prepara um novo Regulamento Tarifário dos Serviços de Águas, a Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA) considera ser o momento ideal para começar o mudar o setor da água, "que tem estado estagnado do ponto de vista da eficiência e qualidade do serviço".
Em entrevista à Lusa, o presidente da AEPSA alerta para a necessidade de mudanças profundas, cumprindo desde logo o princípio do "utilizador pagador".
Eduardo Marques considera fundamental uma atualização de tarifas, porque os preços que se praticam em alguns municípios não são reais.
É "um setor subsídio-dependente" e quando se está assim "não há capacidade de inovação, de novas tecnologias" e o setor fica estagnado.
A ERSAR tinha como função a publicação do regulamento tarifário para águas e resíduos, mas em 2021 o Governo PS retirou-lhe essa competência, dando-a aos municípios.
Em outubro, o anterior Governo, da Aliança Democrática, alterou de novo a competência da fixação das tarifas para volta à ERSAR, o que mereceu críticas do PS e apreensão de alguns municípios.
A partir do próximo ano (depois das eleições autárquicas), será de novo a ERSAR a fixar as tarifas nos sistemas públicos, mas podendo também fazer propostas e recomendações nos privados. O processo está agora em fase de consulta prévia ao mercado.
Eduardo Marques diz ser "uma excelente oportunidade" para imprimir mudanças no setor.
O Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP) do ano passado, por exemplo, mostra a estagnação do setor e reforça a urgência da modernização, diz, acrescentando que na última década não tem havido alterações positivas.
"No nosso entender, uma das principais razões para esta estagnação é a falta de sustentabilidade financeira da maioria das entidades do setor", essencialmente "em baixa" (entidades que fazem chegar a água a casa das pessoas).
"Cerca de dois terços das entidades gestoras em baixa não cobrem custos operacionais, sem falar dos investimentos".
Ou seja, segundo a AEPSA, as entidades sobrevivem com apoios dos orçamentos municipais (não paga o utilizador, paga o contribuinte), do Estado e de fundos europeus, ou têm prejuízos que se acumulam para as gerações futuras.
Por tudo isto, diz ser preciso aumentar o preço da água, em cerca de 50%, porque "as tarifas não podem ser políticas, têm de ter um suporte técnico e social".
Defende no entanto uma tarifa social para quem não tem capacidade de pagar uma tarifa normal.
Para Eduardo Marques, há um dado que é preciso ter em conta: ter água e saneamento de qualidade e em quantidade, água para beber, para tomar banho, para todas as necessidades, custa 30 cêntimos por pessoa, por dia: "Um terço de um café".
Cita o Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2030 (PENSAARP2030) para dizer que este já recomenda e prevê aumentos tarifários médios de 50%, embora haja entidades que não vão ter aumentos tarifários.
É o caso das entidades gestoras privadas (cerca de 20% do total), que já têm tarifas fixadas por concurso público e com forma prevista de revisão tarifária.
Já as entidades públicas, com subsídios à operação, terão de ter aumentos, cumprindo "a lei do utilizador pagador".
O responsável admite que não dá votos o aumento da água, mas diz que é preciso cumprir a lei, é preciso que um novo regulamento tarifário "consiga conjugar a necessidade de ter um setor sustentável financeiramente e ambientalmente com a autonomia municipal".
"Porque não é a ERSAR que vai dizer que aquele município vai ter dois euros por metro cúbico de aumento. Tem de ser conjugado com a autonomia municipal".
Segundo o presidente da AEPSA, a forma mais correta de ter tarifas justas, sustentáveis e socialmente corretas e eficientes é através da concorrência.
E exemplifica: "Eu tenho estes trabalhadores, tenho estas instalações, preciso de fazer 20 milhões de euros de investimentos. E o mercado vai dizer: para fazer isto a tarifa é esta. Este é o modo mais correto de ter uma tarifa".
Mas o que se vê, adianta, é que a maioria das entidades gestoras está "viciada em subsídios" e "só tem modernização quando tem subsídios públicos".
Eduardo Marques enfatiza a necessidades de aumento do custo da água, de forma gradual, para que haja capacidade para investir e inovar, para não estar apenas a "acudir a aflições".
"Nós, agentes do setor, privados, públicos, regulador, Estado, e sobretudo municípios, temos de ter capacidade de dizer às populações que a água é um bem essencial e que tem de ter um custo, que estão a pagar um bem essencial e um bem do futuro, para os seus filhos e netos", disse.
E lamentou que não se possa aumentar uma fatura de água em cinco ou 10 euros, quando ninguém se queixa do que paga por um canal desportivo.
Os serviços de água e saneamento em Portugal representam 10% de todos os custos com os diferentes serviços, como eletricidade ou televisão, diz, e avisa: "Quando uma coisa é muito barata há desperdício, não há eficiência".
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