O Governo quer acabar com a criminalização da omissão da contratação de trabalhadores à Segurança Social, o que inclui o setor do serviço doméstico, mas não explica as vantagens da medida, nem o impacto na evasão fiscal e contributiva.
O anteprojeto reforma da legislação laboral que o Governo de Luís Montenegro apresentou aos parceiros sociais em julho, conhecido como "Trabalho XXI", propõe revogar uma norma do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) que desde 01 de maio de 2023 considera crime a omissão de comunicação da admissão de trabalhadores.
Neste momento, se os empregadores não declararem uma contratação nos seis meses seguintes ao fim do prazo previsto na lei para procederem a essa comunicação -- em regra, nos 15 dias anteriores ao início da atividade -- podem ser criminalizados com uma pena de prisão de até três anos ou com uma multa de até 360 dias (até 180 mil euros).
Questionado pela Lusa, o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, não esclareceu a razão pela qual considera positivo deixar de criminalizar a não declaração do trabalho doméstico, tendo em conta o nível de informalidade fiscal e contributiva que lhe está historicamente associado.
Também não respondeu quando questionado sobre o impacto do fim da penalização na evasão fiscal e contributiva.
O anteprojeto de lei da reforma laboral não inclui medidas alternativas para incentivar os empregadores a declararem o trabalho do serviço doméstico. Perguntado se foi ponderada alguma medida nesse sentido e porque não foi incluída no anteprojeto, o gabinete da ministra nada disse.
Ao conjunto de perguntas colocadas pela Lusa, o gabinete ministerial respondeu apenas que o anteprojeto "tem como finalidade aumentar a competitividade e produtividade das empresas, valorizar os trabalhadores e reforçar o equilíbrio entre vida profissional, pessoal e familiar" e que a sua discussão será realizada "em sede própria", na concertação social (com as confederações patronais e sindicais) e no parlamento (com os deputados).
Mesmo que a alteração avance tal como o Governo a propõe, os empregadores continuarão a ser obrigados a comunicar a contratação de uma empregada de limpeza à Segurança Social. E quem não o fizer continua a arriscar-se a pagar coimas se a situação for denunciada ao instituto público.
No entanto, advogados da área do direito laboral contactados pela Lusa consideram que a despenalização pode conduzir a um potencial agravamento da evasão fiscal e contributiva num setor já marcado pela informalidade.
Madalena Caldeira, advogada da sociedade Gómez-Acebo & Pombo, em Lisboa, afirma que "a ausência de uma consequência penal pode ser interpretada como um enfraquecimento da tutela do Estado sobre estas obrigações, com o consequente risco de acentuar a vulnerabilidade e desproteção dos trabalhadores deste setor, uma vez que, não sendo efetuada a respetiva comunicação, não lhes será possível realizar as contribuições devidas à Segurança Social".
Ainda assim, diz, "a manutenção de um regime contraordenacional sólido e eficaz continua a representar um instrumento relevante na dissuasão do incumprimento".
Por seu lado, Rita Robalo de Almeida, advogada da Antas da Cunha Ecija, nota que a criminalização tem um papel preventivo, "numa perspetiva psicológica".
Com o fim da criminalização, acredita, alguns empregadores verão na mudança "uma flexibilização das obrigações contributivas que sobre si impendem, potenciando, assim, comportamentos omissivos, particularmente num setor onde a fiscalização é, ainda, menos incisiva".
A advogada antecipa um "incremento significativo de cenários de evasão fiscal e contributiva" se o fim da criminalização não for acompanhado de medidas complementares, como "o reforço da atividade fiscalizadora, a implementação de campanhas de sensibilização junto dos empregadores e a eventual simplificação dos procedimentos declarativos".
O "Livro Branco Trabalho Doméstico Digno", editado em abril de 2024 pelo Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (STAD), identifica a informalidade e a precariedade laboral como características centrais desta atividade.
O problema, diz-se no estudo, é "proporcionalmente maior" entre as trabalhadoras do serviço doméstico que atuam a tempo parcial (quem tem várias entidades empregadoras ou quem trabalha numa empresa e faz trabalho doméstico de forma complementar).
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