"A doação de órgãos pode transformar o luto em esperança"

No âmbito do Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação, que se assinala a 20 de julho, o Lifestyle ao Minuto entrevistou Élia Mateus, Coordenadora da Unidade de Transplante Hepático no Hospital Curry Cabral. 

doação de órgãos

© Shutterstock

Mariana Moniz
18/07/2025 09:00 ‧ há 8 horas por Mariana Moniz

Lifestyle

Doação de órgãos

No dia 20 de julho assinala-se o Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação. De acordo com dados do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, em 2024, em Portugal, registaram-se 932 órgãos transplantados e 602 transplantes de progenitores hematopoiéticos (células estaminais com potencial para dar origem a todos os tipos de células sanguíneas).

 

Um transplante significa uma esperança e o início de uma nova etapa. No entanto, a necessidade de cuidado com estes doentes mantém-se, sendo que um dos principais desafios está relacionado com a imunossupressão - a diminuição das defesas do organismo.

Estes doentes são sujeitos a imunossupressão para evitar a rejeição dos órgãos transplantados. No caso do transplante de órgão sólido, a necessidade de imunossupressão acompanha o doente para toda a vida, o que significa que as suas defesas estarão sempre reduzidas, com maior necessidade de cuidados.

Um dos principais riscos para estes doentes são as infeções virais, em particular a infeção por citomegalovírus (CMV), um vírus que se estima que 90% da população contrai ao longo da vida. Para os doentes transplantados, o contacto CMV representa um risco muito mais elevado.

Esta nova realidade implica cuidados acrescidos, não só do doente que é impactado, mas também de todo o seu núcleo familiar.

Posto isto, e de forma assinalar o Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação, o Lifestyle ao Minuto entrevistou Élia Mateus, Coordenadora da Unidade de Transplante Hepático no Hospital Curry Cabral.

Notícias ao Minuto Dra. Élia Mateus  

Qual a importância da doação de órgãos e da transplantação?

A doação de órgãos salva vidas. A transplantação é, muitas vezes, a única alternativa para doentes com falência de órgãos vitais, nomeadamente o fígado que é a minha área de ação.

Graças aos dadores, milhares de pessoas em todo o mundo têm a oportunidade de viver mais tempo e/ou com melhor qualidade de vida.

Qualquer pessoa pode ser dadora de órgãos? Quais os critérios para se ser um potencial dador?

Em teoria, qualquer pessoa pode ser dadora de órgãos. Em Portugal somos todos presumíveis dadores; para não se ser dador a pessoa tem que expressar essa vontade em vida inscrevendo-se no RENNDA (Registo Nacional de Não Dador).

A decisão definitiva depende do estado dos órgãos e tecidos no momento da morte e não apenas da idade ou histórico médico isolado. Em caso de morte cerebral ou paragem cardíaca controlada, uma equipa médica especializada avalia se há condições para a dádiva.

Em vida, também é possível a doação (fígado, rim, medula óssea); esse processo exige uma avaliação rigorosa, múltiplos exames, para garantir a segurança do dador e do recetor.

A sensibilização ajuda a combater mitos, esclarecer dúvidas e incentivar as famílias a conversarem sobre o tema

Sente que é necessário sensibilizar mais a sociedade para a necessidade de se aumentar a taxa de doação?

Sim, é fundamental. Apesar de Portugal ter uma das taxas mais elevadas de doação da Europa, ainda há doentes que morrem à espera de um órgão. A sensibilização ajuda a combater mitos, esclarecer dúvidas e incentivar as famílias a conversarem sobre o tema, respeitando a vontade de quem quer ser dador.

Que riscos e desafios enfrentam os doentes após um transplante?

Os principais desafios são a rejeição e os efeitos secundários dos imunossupressores.

Para evitar a rejeição do órgão (a curto e a longo prazo) há que tomar medicação presumivelmente para o resto da vida. O doente precisa de tomar imunossupressores - medicamentos que diminuem a resposta do sistema imunitário - o que o pode tornar mais vulnerável a infeções.

Portanto, outro grande desafio é a gestão de toda a medicação pós-transplante, os seus efeitos secundários e efeitos colaterais, pelo que é imprescindível um acompanhamento médico contínuo.

Os agentes microbiológicos podem causar complicações graves, afetar o funcionamento do órgão transplantado e aumentar o risco de rejeição

De que forma as infeções oportunistas podem impactar a vida dos doentes transplantados?

Infeções oportunistas (doenças causadas por microorganismos, como bactérias, vírus, fungos ou parasitas) são uma preocupação, principalmente na fase precoce do pós-transplante, altura em que a imunossupressão atinge doses mais elevadas. Como os doentes transplantados têm o sistema imunitário mais frágil - à custa dos imunossupressores e à custa da própria doença - os agentes microbiológicos (bactérias, vírus ou fungos) podem causar complicações graves, afetar o funcionamento do órgão transplantado e aumentar o risco de rejeição. É essencial monitorizar e tratar precocemente estas infeções.

Em doentes transplantados, o CMV pode causar doença, sendo mais ou menos grave dependendo do órgão que foi transplantado

O que é o Citomegalovírus (CMV) e quais os sintomas de infeção? Como é detetado este vírus?

O CMV é um vírus comum da família do herpes. Na maioria das pessoas saudáveis, a infeção é assintomática e a grande maioria em Portugal já teve contacto com ele. No entanto, em doentes transplantados, pode causar doença, sendo mais ou menos grave dependendo do órgão que foi transplantado, e também da dose da imunossupressão. É detetado por análises ao sangue, que são feitas regularmente a par com a restante rotina analítica.

Que impacto pode o CMV ter no órgão transplantado e na qualidade de vida do doente?

O CMV pode agravar o estado de saúde do transplantado, pode prolongar internamentos, atrasar a recuperação e levar a mais complicações médicas, com impacto direto na qualidade de vida do doente e na eficácia do transplante.

A longo prazo, o doente precisa manter consultas regulares, adotar hábitos de vida saudáveis e estar atento a sinais de alarme (de rejeição ou de infeção)

Que cuidados são necessários no imediato, nos primeiros meses e nos anos seguintes ao transplante?
 
Logo após o transplante, os cuidados configuram um carácter de maior intensidade e preocupação, mas há um aspeto que tem de ser sempre uma preocupação e de passar a um hábito de vida: o cumprimento da medicação, a toma rigorosa da medicação.

A vigilância médica constante, análises frequentes e prevenção de infeções são mais intensas nos primeiros meses, mas depois desta fase o acompanhamento continua a ser próximo. A longo prazo, o doente precisa manter consultas regulares, adotar hábitos de vida saudáveis e estar atento a sinais de alarme (de rejeição ou de infeção).

As famílias também precisam de se adaptar, oferecer apoio emocional e, muitas vezes, acompanhar o tratamento

Em que medida a vida dos doentes e das suas famílias são impactadas após um transplante?

Um transplante transforma vidas. Para os doentes, representa uma nova oportunidade para viver, trabalhar e estar com a família. No entanto, também implica mudanças na rotina, cuidados contínuos e um acompanhamento médico rigoroso. As famílias também precisam de se adaptar, oferecer apoio emocional e, muitas vezes, acompanhar o tratamento.

A doação pode transformar o luto em esperança, sabendo que aquela vida deixou um legado de solidariedade e amor ao próximo

E no caso de um dador falecido, de que forma é que a doação pode influenciar a vida da sua família?

Para muitas famílias, saber que a perda de um ente querido ajudou a salvar outras vidas traz consolo e sentido num momento de dor. A doação pode transformar o luto em esperança, sabendo que aquela vida deixou um legado de solidariedade e amor ao próximo.

O que pode provocar a rejeição do órgão, e de que maneira essa rejeição pode condicionar a vida do doente e/ou do órgão?

A rejeição pode ser provocada por uma resposta imunitária inadequada, por falhas na medicação, ou na sequência de infeções. A não adesão ao tratamento, a interrupção dos imunossupressores ou a presença de doenças associadas também aumentam o risco de complicações graves, que podem ser fatais se não forem tratadas atempadamente.

A decisão de doar deve ser conversada com a família e com os profissionais de saúde, facilitando todo o processo e contribuindo para salvar mais vidas

De que forma se pode melhorar a resposta às necessidades crescentes de órgãos disponíveis para transplantação, uma vez que continuam a verificar-se mortes nos doentes que constam da lista de espera?

É essencial investir na informação e sensibilização da população, continuar o excelente trabalho que tem sido feito a nível dos Gabinetes de Coordenação, nomeadamente alargando critérios para colheita de órgãos.

Promover a dádiva em vida, apostar em investigação e apoiar os dadores (apoio na ausência ao trabalho, maior facilidade no acesso aos cuidados de saúde) são também medidas importantes.

A decisão de doar deve ser conversada com a família e com os profissionais de saúde, facilitando todo o processo e contribuindo para salvar mais vidas.

Leia Também: Candidíase invasiva: UMinho desenvolve vacina promissora contra a infeção

Partilhe a notícia

Escolha do ocnsumidor 2025

Descarregue a nossa App gratuita

Nono ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas