Embora reconheça que será difícil levar à prisão os implicados, o Conselho da Europa espera que o futuro tribunal possa, ao menos, julgá-los à revelia e que a imunidade que os protege não signifique impunidade.
A Rússia, país visado na sequência da invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 e logo a seguir afastada do órgão europeu, considerou hoje que se trata de "uma paródia de justiça" e que as suas decisões "serão nulas e sem efeito".
Eis algumas perguntas e respostas sobre o Tribunal Especial para o Crimes de Agressão contra a Ucrânia, com base numa nota explicativa hoje divulgada pelo Conselho da Europa:
Para que serve o Tribunal Especial para o Crime de Agressão contra a Ucrânia?
O futuro órgão, que funcionará no âmbito do Conselho da Europa, visa processar os principais responsáveis pelo crime de agressão contra a Ucrânia, o que implica o uso da força armada contra outro Estado, em violação da Carta das Nações Unidas.
Segundo a instituição com sede em Estrasburgo, França, o Tribunal Penal Internacional (TPI), que emitiu vários mandados de detenção contra altos dirigentes russos, incluindo o líder do Kremlin, Vladimir Putin, tem atualmente jurisdição para investigar os crimes de guerra, contra a humanidade e de genocídio na Ucrânia, mas não o de agressão.
"O Tribunal Especial preencherá essa lacuna", explica o Conselho da Europa, que prevê acordos entre as duas entidades judiciais de cooperação mútua.
O que é o crime de agressão?
Ocorre quando os líderes de um Estado iniciam ou planeiam uma guerra, sendo também referido como um "crime de liderança", e envolve aqueles que estão em posições de poder que tomaram ou facilitaram a decisão de entrar em conflito armado.
O Conselho da Europa, órgão de defesa dos direitos humanos do continente europeu com 46 membros, incluindo a Ucrânia e também Portugal, espera focar-se nos "principais líderes políticos e militares responsáveis pelo planeamento, preparação, lançamento ou execução do crime de agressão" contra a Ucrânia.
A entidade recorda que a Rússia é também visada por sanções económicas, condenação política e processos judiciais em curso no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e outras instâncias internacionais, mas a responsabilização criminal individual "é um passo distinto e crucial em direção à justiça e à dissuasão".
O Tribunal pode visar os líderes da Bielorrússia ou Coreia do Norte?
De acordo com a nota explicativa, os principais aliados do Kremlin, incluindo os líderes bielorrusso, Alexander Lukashenko, e norte-coreano, Kim Jong-un, poderão estar na mira do tribunal, "se as provas demonstrarem que desempenharam um papel significativo no crime de agressão contra a Ucrânia".
É realista esperar-se punições?
O Conselho da Europa reconhece a existência de "obstáculos jurídicos, políticos e práticos evidentes", apontando a imunidade de chefes de Estado e de Governo, bem como dos ministros dos Negócios Estrangeiros em exercício, e "será difícil prender fisicamente os potencialmente implicados".
No entanto, adverte que o direito internacional "está em evolução e a imunidade pessoal não é um passe para a impunidade".
Embora aqueles dirigentes políticos só possam ser apresentados ao Tribunal Especial "se já não estiverem no poder ou se a sua imunidade tiver sido levantada", será possível desenvolver entretanto as investigações e a recolha de prova para "julgar os indivíduos em causa, se as circunstâncias o permitirem".
A nota explicativa refere também que o procurador do Tribunal Especial poderá produzir acusações e a possibilidade de processos à revelia, "quando os interesses da justiça o exigirem e se a pessoa em causa renunciar ao seu direito de participar no processo ou se todas as medidas razoáveis tiverem sido tomadas para garantir a sua presença, mas não tiverem sucesso".
Como será estabelecido o tribunal?
O órgão será criado no âmbito do Conselho da Europa e financiado pelos seus membros e os Estados que o apoiam, em cooperação com as autoridades de Kyiv, tendo um "caráter internacional, independente e legítimo" e baseado na competência territorial da Ucrânia.
O Tribunal Especial compromete-se a respeitar "os padrões internacional e regionalmente reconhecidos", sendo ainda destacado o papel da União Europeia, "um dos maiores apoiantes políticos desta iniciativa".
Os trabalhos começarão quando for reunido o financiamento, cujo total ainda está em avaliação, embora se espere que seja semelhante ao de outros tribunais criminais internacionais.
Os juízes candidatos serão apresentados pelos Estados-membros e associados e escolhidos secretamente por um comité diretor para um mandato de nove anos, bem como o cargo de procurador, que terá uma duração de sete anos.
O país anfitrião e a sede do tribunal serão conhecidos nos próximos meses.
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