Recentemente, os MSF têm assistido a uma redução do número de mulheres e crianças "em algumas instalações de saúde no Paquistão, em particular, por medo de serem deportadas", disse à Lusa Stephen Mackay.
Numa altura em que milhares de pessoas são deportadas todos os dias para o Afeganistão, governado pelo regime fundamentalista islâmico dos talibãs, a organização não-governamental opera em ambos os países.
O Paquistão, a par do Irão, aplicou políticas de deportação de afegãos que, de acordo com o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), pode resultar em três milhões de regressos até ao final do ano.
Em entrevista à Lusa, Mackay relatou que as pessoas no lado paquistanês, algumas das quais foram deportadas e depois regressaram ao Paquistão, "descrevem situações de extrema dificuldade quando chegam ao Afeganistão, recursos muito escassos e limitados".
Em relação ao sistema de saúde afegão, Mackay referiu que é conhecido pelos MSF, uma vez que têm "um extenso envolvimento", e sabem por isso que "é um sistema de saúde sobrecarregado", o que significa que "deportar mais pessoas para esse país só irá aumentar a carga".
Stephen Mackay sublinhou que as unidades de saúde no estão sobrecarregadas porque, desde o início deste ano, "muitas organizações começaram a sofrer cortes no seu financiamento, "levando 400 ou mais instalações a serem afetadas", seja pela "redução significativa dos seus serviços ou pelo encerramento".
A ONG revelou que o Hospital Boost, em Lashkar Gah, na província de Helmand, no Afeganistão, tem prestado auxílio a quase 1.000 pessoas por dia e que a maternidade está a apoiar o parto de, em média, entre 70 e 100 bebés por dia.
"É uma instalação incrivelmente movimentada", acrescentou.
Dadas as dificuldades, Mackay reforçou que a redução de mais serviços "tornará cada vez mais difícil para as pessoas no Afeganistão terem acesso a cuidados de saúde" e que "isso significa também que as pessoas deportadas para o país enfrentarão o mesmo problema".
O diretor de operações apontou que um dos problemas a longo prazo no Afeganistão reside na "redução drástica do acesso à educação para mulheres", que vai resultar por sua vez num problema de pessoal médico qualificado.
"Insistindo que as mulheres e raparigas só recebem cuidados de mulheres, esse problema irá alastrar por todos os tipos de cuidados médicos", levando até à possibilidade de ficarem sem parteiras ou ginecologistas", referiu.
Os talibãs têm reprimido os direitos das mulheres desde que tomaram o poder no Afeganistão, levando o Tribunal Penal Internacional a emitir dois mandados de captura contra o líder supremo dos talibãs e ao presidente do Supremo Tribunal do regime por "perseguição de género".
O tribunal sediado em Haia considerou a 08 de julho que "os talibãs privaram gravemente, através de decretos, as raparigas e as mulheres dos direitos à educação, à privacidade e à vida familiar, bem como das liberdades de circulação, expressão, pensamento, consciência e religião".
Os repatriamentos para o Afeganistão aumentaram significativamente desde 13 de junho, embora o número mais alto tenha sido registado já a 01 deste mês, dia em que foram registados cerca de 43.000 regressos ao país.
Leia Também: Pelo menos 652 crianças morreram de desnutrição no norte da Nigéria