Mário Centeno vai deixar o Banco de Portugal (BdP) após um mandato de cinco anos marcado, particularmente nos últimos meses, por algumas divergências com os governos liderados por Luís Montenegro.
Em abril do ano passado, acabado de chegar ao cargo, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, definiu o tom da relação com o governador ao mostrar surpresa com a notícia de que o banco central tinha tido prejuízos em 2023. Isto, apesar de o governador vir a assinalar há algum tempo que o banco central - tal como os restantes bancos centrais na Europa - deixaria de ter resultados positivos, devido ao aperto da política monetária.
Além disso, Centeno assegurou que as contas tinham sido entregues ao acionista no prazo previsto, pelo que o ministro teria tido acesso aos números com antecedência.
Este início de relação acabou por prever um historial de tensões, com as divergências entre Centeno e Miranda Sarmento a incluírem, por exemplo, uma discussão sobre a saída de jovens 'cérebros' para outros países.
Centeno defendeu que Portugal consegue reter os recém-licenciados, enquanto o ministro das Finanças reiterava que Portugal tem um "problema de retenção e atração de jovens qualificados", sendo essa uma das justificações para avançar com medidas destinadas aos jovens, como o IRS Jovem.
Uma dessas medidas também motivou alguns avisos: a garantia pública para crédito à habitação da primeira casa de jovens entre os 18 e os 35 anos, com o governador a dizer várias vezes em público que, mesmo com a garantia, os bancos não podem aliviar o cumprimento das regras de concessão de empréstimos.
Outras medidas do Governo foram igualmente alvo de análise pelo banco central, como a descida do IRC.
O BdP publicou um estudo, no final de 2024, que concluía que a descida do IRC só ajudaria a economia se as empresas reinvestirem poupança fiscal, sendo que a redução deste imposto era uma das bandeiras eleitorais da AD.
Centeno veio em defesa do estudo elaborado por técnicos do BdP, que concluiu que a descida de um ponto percentual do IRC teria um impacto negativo na economia caso as empresas não reinvistam a poupança, argumentando que "aquele texto é talvez o texto mais sério" que viu "feito sobre o IRC nos últimos anos", e que "não tem nada que não esteja imbuído no papel do BdP de aconselhar".
Houve também uma polémica quando o primeiro-ministro decidiu nomear Hélder Rosalino, que na altura era consultor do BdP, para secretário-geral do Governo, com Centeno a dizer que não pagaria o salário do ex-administrador do BdP nesse novo cargo, que acabou por não assumir.
Este caso motivou o ministro das Finanças a convocar a comissão de vencimentos do BdP, que esteve quase 10 anos sem reunir-se.
A gestão das contas públicas e as projeções para o futuro foram ainda outro ponto de tensão entre o governador, que enquanto era ministro das Finanças foi responsável pelo primeiro excedente orçamental em democracia, e o executivo de Luís Montenegro.
Centeno já tinha feito alertas sobre a evolução da despesa pública e, mais recentemente, as previsões do BdP foram as primeiras a projetar um défice em 2025, enquanto o Governo previa um excedente de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
O primeiro-ministro reagiu aos números apontando que o BdP estava em "contramão" nas previsões, já que as restantes instituições não estimavam um saldo negativo.
A própria recondução de Centeno foi um tema, já que o governador disse em entrevistas estar disponível para continuar mas o Governo nunca confirmou as suas intenções, acabando hoje por anunciar que escolheu o economista Álvaro Santos Pereira para governador.
Já esta semana, após o final do mandato de Mário Centeno (que terminou no domingo), o Governo anunciou que vai pedir uma auditoria à Inspeção Geral de Finanças (IGF) sobre o processo de construção do novo edifício do Banco de Portugal.
Em causa está o contrato que o banco central liderado por Centeno celebrou em maio com a Fidelidade para comprar um edifício nos terrenos da antiga Feira Popular, em Entrecampos, Lisboa, para as futuras instalações da instituição, por 191,99 milhões de euros, com transação final prevista para o final de 2027.
O Observador noticiou na segunda-feira, 21 de julho, que o valor das futuras instalações será superior aos 192 milhões de euros, pois o valor refere-se apenas às obras estruturais, estimando o jornal 'online' que o custo total possa subir para 235 milhões de euros.
O jornal noticiou ainda haver alertas de consultores do Banco de Portugal designadamente sobre os licenciamentos e a eventual necessidade de avaliação de impacte ambiental na construção do parque de estacionamento.
A informação levou a instituição a reagir em resposta a questões da Lusa, dizendo que cumpre todas as normas no processo de compra do edifício.
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