"Audição mal conduzida" a criança causa "revitimização", considera juiz

O juiz desembargador Paulo Guerra avisou hoje que uma audição mal conduzida a uma criança gera revitimização secundária e defendeu presença simultânea de juízes de família e de instrução criminal nas declarações para memória futura.

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Lusa
27/06/2025 15:22 ‧ há 3 horas por Lusa

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Na opinião do juiz desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, as crianças querem e precisam ser ouvidas e salientou que as crianças que são ouvidas em tribunal apresentam sentimentos muito mais positivos sobre os procedimentos dos tribunais, têm mais confiança nos juízes, "expressam apreciações mais positivas sobre a equidade da decisão", demonstram maior conhecimento sobre o seu caso, "quando o processo é de facto bem conduzido".

 

"Uma audição mal conduzida gera uma vitimação secundária e essa vitimação secundária ou sobrevitimização entende-se como sendo aquela que é causada pelas instâncias formais de controlo social no decorrer de um processo de investigação do crime ou no decurso de um processo de promoção e proteção [de menores] ", alertou.

O juiz desembargador falava hoje de manhã na IV mesa redonda judicial da rede pan-europeia 'Children os Prisioners Europe', que trabalha em prol de crianças que têm um progenitor preso, e que decorreu no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.

O tema era "Como podem as famílias e os tribunais tornar os direitos das crianças uma realidade durante os processos criminais dos pais?" e Paulo Guerra aproveitou também para falar sobre as declarações para memória futura, defendendo que é preciso "dar-lhes algum sentido".

"A criança não tem de ser incomodada de novo, por uma nova inquirição, sob pena do sistema judiciário provocar-lhe um dano acrescido, porque sabemos como é cruel obrigar uma criança a repetir vezes sem conta aquilo que lhe aconteceu", defendeu.

Sublinhou que é, por isso, necessário compatibilizar os tempos de realização desta diligência processual.

"Defendo e tenho prescrito que bom seria a presença simultânea nas declarações de memória futura do juiz de instrução criminal e do juiz de família e crianças", afirmou.

Para o juiz do Tribunal da Relação de Coimbra, as audições a crianças deveriam ser feitas apenas por quem tivesse formação específica e os operadores judiciários deveriam limitar-se a fazer perguntas sobre factos.

Apontou, por outro lado, que em vez de se partir do princípio que a criança é incapaz de exprimir a sua opinião, os operadores judiciários "devem presumir que uma criança tem, de facto, essa capacidade, não cabendo à criança provar que a tem".

Salientou que a audição de uma criança exige competências técnicas e defendeu que seja feita em quatro etapas: planeamento e preparação, explicação dos objetivos, para criar uma relação de confiança com a criança, relato dos factos e a clarificação.

"Mantenhamo-nos sensíveis ao estado emocional da criança, se ela chora, se ela hesita, se ela quer pausa. Escutar ativamente, mantendo sempre o contacto visual", explicou, acrescentando que deve ser usada uma linguagem que a criança compreenda, nunca fazer perguntas sugestivas ou questionar de forma intimidatória.

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) apontou, por seu lado, que as crianças não têm merecido a devida atenção por parte dos poderes públicos, incluindo dos tribunais, e lembrou que quando um pai ou uma mãe são condenados a cumprir uma pena efetiva de prisão, os "filhos menores são também atingidos por essas condenações".

"As crianças, filhas de pessoas privadas da liberdade, enfrentam uma série de dificuldades emocionais, sociais e económicas que, na maior parte dos casos, são ignoradas pelo sistema de justiça e pela sociedade, e esta situação pode marcar profundamente o desenvolvimento dessas crianças e limitar as suas oportunidades futuras", alertou João Cura Mariano.

Na opinião do presidente do STJ, "apesar da gravidade destas situações, há uma carência de políticas públicas voltadas especificamente para atender esta população vulnerável" e "são poucos os programas que promovem o fortalecimento de vínculos familiares durante o cumprimento da pena".

Para João Cura Mariano, o sistema prisional português não está preparado para manter laços afetivos entre pais e filhos e os tribunais "nem sempre têm presente que a condenação de um pai ou de uma mãe (...) afeta sobremaneira o direito das crianças a crescer saudavelmente".

Defendeu que "é urgente" que as crianças filhas de pessoas detidas sejam reconhecidas como sujeitos de direitos e que deve haver "estratégias integradas para protegê-las".

Leia Também: Marcelo promulga diploma que regula carreira dos oficiais de justiça

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