Um assistente operacional do Hospital de Cascais assediou e apalpou uma empregada de limpeza, durante o horário laboral. O homem foi demitido com justa causa, mas irregularidades no processo levaram a Justiça a anular a decisão da unidade de saúde, que recorreu ao Tribunal da Relação de Lisboa. Contudo, este órgão judicial voltou a dar razão ao trabalhador.
O caso remonta ao dia 12 de agosto de 2024, segundo o acórdão avançado pelo Jornal de Notícias e consultado pelo Notícias ao Minuto. Entre as 21h30 e as 22h00, o assistente operacional dirigiu-se à funcionária, que estava a trabalhar, e disse-lhe, "Vamos lá para trás, o teu marido não precisa de saber". Quando a mulher se baixou para trocar um saco do lixo, o homem colocou o seu braço entre o braço e o torço da colega "e apalpou-lhe o seio". "Então?!", queixou-se a vítima, que procurou afastar-se.
A trabalhadora fugiu em direção à "sala de sujos", mas o colega seguiu-a até ao local, cuja porta fechou. Colocou-se também entre a saída e a operadora de limpeza, a quem disse: "Ah, já estou de pau feito." A mulher fugiu para sala de urgência, "em pânico", e relatou o sucedido ao seu superior hierárquico. Depois, apresentou uma queixa junto do posto da Guarda Nacional Republicana (GNR).
"Colaboradora da equipa de limpeza sofreu assédio sexual físico e verbal. Anteriormente já tinha sofrido assédio por parte da mesma pessoa, mas apenas verbal. Após o assédio, o colaborador do HC foi atrás de colaboradora da limpeza até à sala de sujos. Realizou queixa na GNR", lê-se na ficha de incidente incluída no processo.
Em outubro daquele ano, o hospital decidiu instaurar "um procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa" contra o assistente operacional, que ali trabalhava desde janeiro de 2017. No entanto, o homem recorreu ao Juízo do Trabalho de Cascais, alegando que as acusações que pendiam sobre si eram falsas e que o seu direito de defesa havia sido violado, já que a resposta à nota de culpa foi desconsiderada – por ter sido recebida após os dez dias úteis previstos – e que as três testemunhas indicadas não foram ouvidas.
"O requerente nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar, jamais recebeu qualquer advertência formal ou informal, recebeu diversos elogios de utentes e familiares e colaborou sempre com colegas e superiores. No exercício das suas funções como assistente operacional, o requerente sempre demonstrou profissionalismo no contacto com os utentes e familiares e disponibilidade para auxiliar colegas", lê-se no documento, que realçou ainda a "reputação irrepreensível entre colegas, superiores hierárquicos e utentes, sendo reconhecido pela sua competência, dedicação e humanidade no trato com todos".
Trabalhador alegou que era a funcionária de limpeza "quem frequentemente procurava a [sua] presença"
O funcionário relatou que a colega tinha "posto de trabalho fixo atribuído à Urgência Geral do Hospital", mas que "era prática frequente [...] ausentar-se do seu posto de trabalho sem justificação, deslocar-se para a Urgência Ambulatória, área que não lhe estava atribuída, deixar por realizar tarefas de higienização e negligenciar procedimentos de limpeza e segurança".
"O requerente, pela natureza das suas funções e responsabilidade, via-se frequentemente na obrigação de a alertar para estas ausências injustificadas, chamando-a a atenção para tarefas não realizadas, relembrando a importância dos procedimentos de higiene. Esta necessidade de intervenção profissional do requerente gerou descontentamento por parte de BB e animosidade da mesma face ao requerente", apontou.
O assistente operacional disse ainda que, naquele dia, "a sala dos sujos encontrava-se sem os sacos do lixo devidamente colocados". O funcionário dirigiu-se, por isso, ao local, onde encontrou a colega e "chamou-a a atenção, de fora respeitosa, para a falha nos procedimentos".
Alegou também que "era BB quem frequentemente procurava a presença do requerente, deslocando-se propositadamente à Urgência Ambulatória quando sabia que este lá se encontrava", além de o acompanhar "voluntariamente [...] durante as suas pausas para fumar, mantendo com este uma atitude de aproximação".
O Hospital de Cascais recorreu da suspensão do despedimento para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas o juízo manteve-se.
"Ao desconsiderar a existência de resposta à nota de culpa, a empregadora tolheu ao trabalhador a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, evitando que o instrutor do processo avaliasse os factos trazidos por este, e a fundamentação por si alegada, o que tudo deve ser ponderado nessa sede. […] Ao não atender à resposta à nota de culpa, a empregadora também não se pronunciou sobre a prova ali indicada", considerou a juíza Paula Santos, no acórdão de 5 de julho.
A responsável determinou, por isso, "a nulidade do procedimento disciplinar, por não ter a ora apelante considerado a resposta à nota de culpa e testemunhas apresentadas pelo trabalhador".
"Dado que o procedimento disciplinar é inválido, concluindo-se pela probabilidade séria da ilicitude do despedimento, cumpre, como o fez a primeira instância, suspender o despedimento, devendo a requerida manter a requerente no seu posto de trabalho sem perda de antiguidade, nem categoria", decretou ainda.
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