"Se as próteses ajudarem, na verdade, a vida não vai continuar a mesma. Vai melhorar. Não hei de precisar entrar na sala de aula de muletas, estarei a caminhar, e alguma coisa pode mudar", diz à Lusa, durante a passagem pelo hospital, em Maputo.
Nascido em Nampula, norte do país, Inácio soube da campanha de próteses angariadas na Índia e colocadas no Hospital Central de Maputo através das redes sociais. Leciona na província da Zambézia desde 2017 e sofreu um acidente de viação em 2021.
Agora, decidiu procurar melhorias das suas condições com a prótese gratuita e espera que a sua vida mude: "A medicina está um pouco avançada. Então, quando recebemos a informação de que havia disponibilidade de prótese indiana, tive muita curiosidade. Fiz de tudo para viajar de Nampula para cá [Maputo] para adquirir as próteses indianas".
Inácio é um dos vários beneficiários que desde julho viajaram, de todo o país, para o HCM com o objetivo de receber gratuitamente as próteses doadas pela Índia, uma forma de assinalar os 50 anos de amizade e cooperação com Moçambique.
Chegado pela manhã no HCM, Inácio conta que ficou hospedado numa casa de uma igreja e esperava algo diferente, como vê nos filmes, o que não foi o caso.
"Só que a realidade que encontrei não é aquela que a gente imaginava. As próteses que havia imaginado não são as mesmas que encontramos aqui. Aqui nós encontramos próteses a serem feitas por uma parte de material local, apesar de serem colocadas algumas peças estrangeiras", refere.
As próteses são fabricadas no hospital, no mesmo dia, e os beneficiários podem tê-las após algumas horas.
Nesta campanha apoiada pela organização indiana Bhagwan Mahaveer Viklang Sahayata Samiti (BMVSS) foram colocadas próteses nos membros inferiores a cerca de 1.230 moçambicanos, em pouco mais de um mês, até esgotar o material disponível, nos últimos dias.
Quem também esteve à espera foi Rosa António, 34 anos, oriunda do distrito de Boane, província de Maputo, que se deslocou ao HCM à espera de um "milagre" na sua caminhada diária, desde as limpezas até aos negócios.
Perdeu uma das pernas num acidente de viação e desde então tudo mudou.
"Fiquei muito feliz, porque eu sempre trabalhei e andava a fazer isto e aquilo. Quando aconteceu o acidente não tive como fazer sem andar. Fiquei feliz na hora que disseram que vamos receber próteses. Pelo menos vai ajudar-me um pouco", conta Rosa, acrescentando que "chorava de dia e de noite" por não ter dinheiro para uma prótese.
"Para mim é mais difícil varrer o quintal, pilar amendoim, e outras coisas como ir à machamba (campo agrícola). Andar com muleta e pegar enxada não seria possível", explica.
A capacidade de produção no HCM é de menos de 30 próteses por mês, mas com a campanha "Jaipur Foot Camp", projeto inspirado num modelo indiano de prótese de baixo custo e fácil adaptação, que arrancou no final de junho, foi possível produzir entre 30 a 40 próteses por dia.
De acordo com Celeste Elias, técnica de ortoprotesia na unidade, o processo começa com o registo e avaliação. Pacientes com contraturas ou com o coto dolorido são encaminhados para fisioterapia ou curativo, respetivamente, até ficarem aptos a receber o aparelho.
Celeste entende que o principal desafio técnico é a distância tecnológica entre a Índia e os aparelhos do HCM, mas a sua equipa está a aproveitar o aprendizagem: "A comunicação é que chega a ser um entrave, porque a maior parte deles só falam inglês. Muitos de nós não falamos inglês, não falamos a língua indiana".
Admite ser marcante saber que existem condições para se fazer uma prótese em menos de 24 horas. "Percebemos que o que nós fazemos em 30 dias, podemos fazer em uma semana. É algo muito emocionante. É uma área que vale a pena abraçar", refere.
Leia Também: Afonso deixou para trás uma filha para salvar outros sete de terroristas