A semana continua a ser marcada pelas declarações da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, que disse ter "conhecimento de muitas práticas" abusivas no que diz respeito à dispensa para a amamentação. A polémica instalou-se, com políticos e associações a criticarem a posição tomada pela ministra, que disse mesmo que "as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária."
Após as declarações, feitas numa entrevista ao Jornal de Notícias, o Notícias ao Minuto questionou a tutela acerca dos números em causa, tendo fonte oficial deste ministério explicado: "Sobre os pedidos de dados, importa esclarecer que a dispensa é concedida e suportada diretamente pelas entidades empregadoras."
Significa isto que o Governo não sabe, neste momento, quantas mães estão com horário reduzido por causa desta dispensa prevista na lei. A declaração em acusa é entregue à empresa, servindo para justificar a ausência de duas horas ao trabalho. A declaração não é comunicada a qualquer outra entidade.
Entre as críticas iniciais e os quatro dias que já passaram desde que a posição foi tomada pelo Governo, há agora pedidos de dados por parte de políticos, possibilidade de existirem "propostas conjuntas" e também denúncias de situações "extremas" em que trabalhadoras ficaram impedidas de usar licenças.
Partidos querem números, "proposta conjunta" (e afastam "lições")
Na tarde de quarta-feira, o presidente do Chega, André Ventura, deu uma conferência de imprensa na qual explicou que já transmitiu ao secretário-geral do Partido Social Democrata, Hugo Soares, que está preparado para participar numa "proposta conjunta" para que as alterações à legislação laboral possam ser aprovadas "sem qualquer necessidade do PS" no arranque dos trabalhos parlamentares.
Ventura avisou, contudo, que estabeleceria 'linhas vermelhas' sobre o luto gestacional, amamentação e contratos de curta duração.
O também líder da oposição sublinhou que "não pode aceitar, e o Governo deve voltar atrás, na redução da licença de amamentação", que considerou ser "um erro sobre as mães portuguesas e um erro num país que está a viver um inverno demográfico."
Por seu turno, o secretário-geral do Partido Socialista (PS), José Luís Carneiro, avisou, em 'resposta' ao desafio lançado por Ventura a Soares, que ninguém se deveria esquecer de que as maiorias e as minorias são sempre "muito transitórias", aludindo à maioria parlamentar de Direita. "Há algo que a democracia nos ensina, é que as maiorias e as minorias são sempre muito transitórias e é muito importante que o Governo tenha consciência disso", apontou.
Carneiro disse ainda que o PS não aceitava "lições de ninguém", no âmbito de o Chega estar a atentar afastar o PS de uma reforma na legislação laboral. Sublinhando que o impacto dos socialistas nessa matéria é imenso, reforçou: "Eu reafirmo aquilo que são valores fundamentais do Partido Socialista. Para nós, é inaceitável a precariedade das relações laborais, nomeadamente no que tem a ver com a proteção dos direitos das mulheres trabalhadoras, dos jovens trabalhadores e, ao mesmo tempo, bater-nos-emos por remunerações adequadas [...], procurando que Portugal acompanhe aquilo que são as melhores práticas internacionais."
Já o Livre avançou com o envio de uma pergunta ao Governo. Em relação à dispensa para amamentação ou aleitação, o Livre pede ao Executivo estatísticas sobre o número de beneficiários desta dispensa durante e após o primeiro ano, com a distribuição do tempo de usufruto da dispensa por idade da criança.
Sobre o "alcance e abrangência" da licença parental inicial e alargada, o Livre pretende saber o número de beneficiários da licença exclusiva do pai, a distribuição e o número de beneficiários, por género, da licença parental inicial, bem como a média da duração da licença inicial e alargada.
Quem também reagiu foi o antigo ministro do Trabalho socialista José António Vieira da Silva, que acusou a atual governante com a mesma pasta de ter feito "afirmações incompreensíveis" sobre os abusos da amamentação e sublinha que "não tendo os dados (...) é uma espécie de manto negro sobre quem beneficia desta medida".
O que dizem as associações?
São várias as associações que têm vindo a tecer críticas ao Executivo, e, mais recentemente, foi 'a vez' do Movimento Democrático de Mulheres (MSM) fazer a sua análise, e, analisando a proposta de alteração ao Código do Trabalho, identificou vários aspetos que considera serem preocupantes e "um retrocesso". Segundo o MDM, as declarações da ministra do Trabalho, que sugeriu que o direito à amamentação pode estar a ser usado para para fugir ao trabalho, revelaram uma "visão hostil, desconfiada e discriminatória sobre as escolhas das mulheres", permitindo construir uma narrativa de suspeição sobre quem amamenta, acusou o movimento.
O MDM critica a proposta, mas sublinha que não é o único problema do pacote de medidas, deixando o alerta para "o golpe no direito ao horário flexível", já que o Governo quer acabar com a possibilidade de recusar trabalho noturno ou ao fim de semana a quem tem filhos até aos 12 anos.
Já a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) revelou que recebeu este ano uma queixa "feita por uma mulher referente à violação do direito de dispensa para a amamentação", mas não recebeu qualquer denúncia por parte da entidade empregadora de trabalhadoras que estariam a abusar desse mesmo direito.
No entanto, explica a presidente do CITE, Carla Tavares, que aos sindicatos "continuam a chegar relatos" que acontecem um pouco por todo país, em especial nos trabalhos com maior presença de mulheres, como o setor da saúde, restauração, comércio ou da indústria.
Também a coordenadora para a Comissão de Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP-IN, Fátima Messias, contou que há conhecimento de "exemplos de limitações e situações extremas. A responsável recordou uma dessas situações em que "as entidades patronais pretendiam obrigar as mulheres a espremer as mamas para provar que ainda tinham leite para as suas crianças".
[Notícia atualizada às 08h52]
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