Hipocondria: quando a prevenção se torna excessiva (e até prejudicial)

A hipocondria caracteriza-se por um medo persistente e excessivo de estar gravemente doente, mesmo na ausência de sintomas significativos ou apesar da tranquilização médica, explica Inês de Matos Ferrão, psicóloga no Hospital Lusíadas Monsanto, que assina este artigo.

Preocupação, ansiedade, hipocondria

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Sofia Robert
03/07/2025 15:29 ‧ há 6 horas por Sofia Robert

Lifestyle

Saúde

A hipocondria é uma perturbação rara, mas cada vez mais comum, muito por culpa da era digital e do acesso a cada vez mais informação. Assim o afirma Inês de Matos Ferrão, psicóloga no Hospital Lusíadas Monsanto, que assina o artigo que o Lifestyle ao Minuto apresenta abaixo:

 

Numa era em que a saúde se encontra ao alcance de um clique, em que qualquer sintoma é pesquisado em segundos, originando interpretações e diagnósticos muitas vezes alarmistas antes mesmo de uma consulta médica, o medo constante de adoecer tornou-se uma preocupação presente que atravessa o nosso dia a dia. A hipocondria, que outrora era vista como uma condição rara, assume hoje contornos cada vez mais subtis, muitas vezes camuflados sob o disfarce de 'prevenção'. Mas a questão que se coloca é: até que ponto o cuidado com a saúde deixa de ser um ato racional e se transforma numa verdadeira prisão mental?

A hipocondria caracteriza-se por um medo persistente e excessivo de estar gravemente doente, mesmo na ausência de sintomas significativos ou apesar da tranquilização médica. Os estudos mais recentes indicam que a hipocondria, ou a Perturbação de Ansiedade de Doença, afeta entre 1% e 5% da população mundial, sendo igualmente prevalente entre homens e mulheres. Em Portugal, estima-se que entre 4% e 9% da população sofra desta perturbação, representando cerca de um milhão de pessoas. Esta realidade reflete um paradoxo na sociedade contemporânea: enquanto a medicina preventiva tem contribuído decisivamente para a melhoria da qualidade de vida, o aumento da longevidade e a deteção precoce de doenças, o excesso de zelo com a saúde pode, na realidade, ter o efeito oposto. A preocupação excessiva com o estado físico pode se transformar numa obsessão, criando um ciclo vicioso em que a vigilância constante sobre o corpo e os sintomas se tornam mais prejudiciais do que benéficos.

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De facto, a hipervigilância, que se manifesta na monitorização constante do corpo e na leitura ansiosa de qualquer sinal físico, pode facilmente escalar para um comportamento obsessivo. A repetição excessiva de exames médicos – muitas vezes desnecessários – não traz benefícios, como também pode gerar um sofrimento psicológico significativo. O hipocondríaco não é apenas alguém que teme estar doente: é alguém cuja vida fica marcada por esse medo constante. O pensamento obsessivo sobre doenças, frequentemente alimentado por autodiagnósticos feitos na internet, impede a pessoa de viver com tranquilidade, afetando a sua vida social e profissional de forma profunda. Ironicamente, ao tentar evitar o sofrimento físico, acaba-se por criar um sofrimento mental ainda mais intenso.

Notícias ao Minuto © Inês de Matos Ferrão

A chave para a prevenção saudável é a educação. Prevenir doenças é crucial, mas é necessário fazê-lo com consciência. Conhecer o corpo, escutar os sinais que nos transmite, mas sem cair na armadilha do alarme constante. A informação sobre saúde deve ser encarada como uma aliada, mas o excesso de dados, descontextualizados e sem filtro, pode rapidamente tornar-se um inimigo. Saber quando consultar um profissional de saúde, confiar nos especialistas e, sobretudo, resistir à tentação de pesquisar obsessivamente no Google cada pequeno sintoma — tudo isto faz parte do processo de maturidade emocional e de autocuidado que devemos ter.

A saúde não deve ser uma obsessão, mas uma prática equilibrada e consciente. Cuidar de si mesmo é, sem dúvida, essencial, mas viver permanentemente com o medo de adoecer, na procura incessante por uma perfeição inatingível, é, paradoxalmente, adoecer de uma outra forma: pela mente. O equilíbrio é o verdadeiro pilar de uma vida saudável – tanto física quanto mental.

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