Nas últimas semanas, várias zonas do país têm sido atingidas por incêndios. A destruição da paisagem, com árvores e terra queimada, bem como casas de uma vida reduzidas a cinzas são a parte visível dos fogos. Mas, muitas vezes, há também um problema que não se vê e pode trazer tantas ou mais consequências.
"Para além da floresta queimada ou das casas em cinzas, fica um impacto psicológico silencioso que pode ser tão devastador como a perda material. Viver a experiência de um incêndio, ou até testemunhar de perto a destruição, pode desencadear trauma psicológico profundo", revelou ao Lifestyle ao Minuto a psicóloga Cátia Silva.
Perder parte da sua história num incêndio acaba por ser algo que pode ser difícil de lidar e poderá deixar marcas em cada pessoa logo nas horas a seguir à tragédia. "A reação a um evento destes varia de pessoa para pessoa, mas há respostas muito comuns: choque, medo intenso, raiva, tristeza profunda, culpa por não ter feito mais, hipervigilância e ansiedade. Muitas pessoas relatam pesadelos, flashbacks, dificuldade em dormir e até sintomas físicos como dores de cabeça, náuseas ou falta de ar."
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O impacto dos incêndios na saúde mental
Cátia Silva explica que é algo que pode ser diferente em crianças, adultos e até idosos. No caso dos mais pequenos, "podem surgir regressões, como voltar a falar de forma infantil ou a urinar na cama, irritabilidade, medo constante de separação dos pais, dificuldade de concentração ou pesadelos".
A psicóloga Cátia Silva falou ao Lifestyle ao Minuto sobre o impacto dos incêndios© Cátia Silva
Quando são um pouco mais velhos, "é possível observar maior risco de comportamentos de fuga, como consumo de álcool, automutilação ou atitudes de desafio". E no que diz respeito aos idosos, pode existir "risco de isolamento, confusão e perda de autonomia".
Da mesma forma que estas reações acontecem a quem perdeu tudo, também os familiares próximos ou pessoas que se revejam na situação acabam por ser afetados da mesma forma a nível psicológico.
A importância do apoio psicológico durante (e após) os incêndios
A psicóloga revela que as primeiras horas depois de um incêndio são fundamentais para a saúde mental. “É neste momento que as reações emocionais intensas como o medo, raiva, confusão, choro ou bloqueio se manifestam com maior força.”
Assim, um apoio nesta fase é de extrema importância. "Pode fazer a diferença entre um processo de recuperação saudável ou o desenvolvimento de sintomas mais prolongados." Aponta Cátia Silva que existe um conjunto de estratégias simples que podem reduzir o impacto e prevenir complicações no futuro.
Passam desde estabelecer relação, escutar de forma empática e não intrusiva, recorrer a técnicas de respiração lenta, fazer a ligação com uma rede de apoio familiar e com amigos, explicar a tristeza, raiva ou medo como sendo respostas naturais a uma catástrofe.
O desafio que muitas pessoas passam em seguida é tentar fazer a sua vida 'normal', algo que pode ser bastante desafiante. "Muitas pessoas sentem-se sem rumo, como se tivessem perdido não só os bens materiais, mas também o chão emocional."
Os desafios de voltar à normalidade depois de uma tragédia
A psicóloga explica que é preciso tempo e muita paciência para conseguir uma estabilidade emocional. "O caminho não é linear: haverá dias mais difíceis e outros em que se sente algum alívio. O mais importante é construir, pouco a pouco, recursos internos e externos que permitam restabelecer segurança e esperança."
Desta forma, o combate aos incêndios acaba também por exigir uma recuperação emocional. "Sobreviver a um incêndio é enfrentar uma das experiências mais dolorosas que a vida pode impor. As perdas materiais podem ser recuperadas com o tempo, mas as marcas emocionais exigem atenção e cuidado."
O trabalho de recuperação pode começar no terreno, mas "prolonga-se dentro de cada pessoa". "Com apoio psicológico, estratégias de autocuidado e solidariedade comunitária, é possível transformar a dor em resiliência. O fogo deixa cicatrizes, mas não precisa de definir toda a história de quem o viveu", concretiza Cátia Silva.
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