Luto gestacional. Governo diz que eliminar falta "é favorável", mas será?

No rescaldo das reações à eliminação da falta por luto gestacional – que contempla, para ambos os progenitores, três dias sem perda de remuneração –, o Executivo de Luís Montenegro considerou que o regime proposto "é mais favorável". Será assim?

grávida

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Daniela Filipe
29/07/2025 08:19 ‧ há 2 dias por Daniela Filipe

Economia

Luto gestacional

O anteprojeto de reforma da legislação laboral, apresentado na passada quinta-feira pelo Governo de Luís Montenegro, já fez correr muita tinta. Em concreto, as reações à eliminação da falta por luto gestacional – que contempla, para ambos os progenitores, três dias sem perda de remuneração – levaram o Executivo a esclarecer que o regime proposto "é mais favorável". Mas será mesmo?

 

"É falso que o Governo pretende eliminar a falta por luto gestacional. Todas as gestantes conservam e até aumentam os seus direitos", lê-se na página da República Portuguesa, na rede social X (Twitter).

Contudo, é factual dizer que o Executivo de Luís Montenegro pretende eliminar o regime criado pelo Governo de António Costa, em 2023, uma vez que ambiciona que a licença por interrupção da gravidez passe a incluir todos os casos de "situações de interrupção voluntária ou involuntária da gravidez, bem como o aborto espontâneo".

Aliás, o Artigo 38.º-A, correspondente à falta por luto gestacional, surge revogado no anteprojeto do Governo.

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Ainda assim, a tutela justificou, em comunicado, que, "na eventualidade de interrupção da gravidez, a trabalhadora terá sempre direito ao gozo da licença de 14 a 30 dias, nos termos dispostos no art. 38.º, n.º 1 (subsidiada a 100% nas condições do regime legal aplicável)", considerando que "não faz sentido prever, em alternativa, o direito a faltar nesta situação". O Ministério salientou, inclusive, que a alteração permite que não restem dúvidas de que "em todos os casos de interrupção de gravidez deve haver lugar à respetiva licença".

Neste caso, "a trabalhadora informa o empregador e apresenta, logo que possível, atestado médico com indicação do período da licença", que será paga pela Segurança Social.

O outro progenitor, por seu turno, fica protegido pela "previsão do direito a faltar para assistência a membro do agregado familiar, até ao um limite de 15 dias". "Nos termos do presente disposto, o outro progenitor poderia faltar apenas três dias consecutivos. Deste modo, também neste segmento, a revogação da norma resulta num regime mais favorável ao companheiro da gestante", reforçou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS).

Mais tempo para o pai? Sim, mas a perder salário

Acontece que as faltas no regime de assistência à família, apesar de justificadas, implicam perda de remuneração. 

"A proposta do Governo presente neste anteprojeto permite ao outro progenitor ter um maior período de ausência justificada, sem remuneração", disse a tutela à Lusa. 

Já no caso dos três dias por luto gestacional, o período é pago a 100% tanto para a gestante, como para o outro progenitor. Para o efeito, "a trabalhadora e o trabalhador informam os respetivos empregadores, apresentando, logo que possível, prova do facto invocado, através de declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde, ou ainda atestado médico". Neste regime estão contempladas as situações em que os profissionais de saúde entendem não haver impacto físico na mãe.

Ou seja, quando o Governo diz que se trata de um "regime mais favorável ao companheiro da gestante", não está a explicar que este progenitor deixa de ter direito a três dias pagos, em troca de até 15 dias sem salário.

"É importante dizer, com clareza: esta alteração representa uma subtração de direitos"

O secretariado nacional das Mulheres Socialistas, Igualdade e Direitos (MS-ID) considerou, no sábado, que esta intenção do Executivo de Luís Montenegro "representará um inequívoco retrocesso nos direitos laborais e sociais das famílias, em contexto de perda gestacional".

Este órgão do Partido Socialista (PS), que é presidido pela deputada Elza Pais, apontou que o Governo alegou "falsamente que a licença seria 'alargada' de três para 15 dias", uma vez que este regime "já existe e corresponde à licença por interrupção da gravidez, aplicável exclusivamente à grávida, mediante avaliação médica e em qualquer fase de gestação".

"A licença cuja revogação está em curso é diferente: trata-se de uma licença laboral autónoma, remunerada e sem perda de direitos, aplicável a ambos os progenitores, nas situações de perda gestacional até às 24 semanas", salientou a entidade.

A MS-ID reforçou também que "a tentativa de fundir juridicamente regimes distintos, com objetivos e fundamentos legais diferentes, configura uma distorção da verdade e um exercício de desinformação inaceitável", tendo em conta que a alteração proposta dá azo à "eliminação da possibilidade de ambos os progenitores usufruírem de três dias de luto quando não se verifique uma interrupção médica da gravidez, o que sucede em muitas perdas gestacionais precoces".

Mulheres Socialistas falam em

Mulheres Socialistas falam em "inequívoco retrocesso" no luto gestacional

As Mulheres Socialistas acusaram hoje o Governo de querer levar a cabo um "inequívoco retrocesso" no luto gestacional, afirmando que "comunicados de esclarecimento" não vão mascarar o que consideram ser uma "subtração de direitos".

Lusa | 15:30 - 26/07/2025

"A proposta do Governo ignora que muitas perdas gestacionais ocorrem fora de qualquer decisão médica ou voluntária. Muitas são espontâneas, traumáticas e inesperadas. É precisamente nesses casos que a licença de três dias se aplicava, permitindo um tempo mínimo de luto e dignidade", disse o organismo, reiterando que não existe "qualquer 'alargamento', mas sim a eliminação de uma medida de equidade e justiça social".

"É importante dizer, com clareza: esta alteração representa uma subtração de direitos. O Governo pode tentar mascará-la com comunicados de 'esclarecimento', mas a verdade é que não há qualquer ganho. O que há é perda. […] Perda de dignidade, perda de proteção e perda de reconhecimento", acusou.

E rematou: "O Governo cede novamente a uma agenda populista e desumana que desvaloriza a dor, omite o luto e desumaniza a sociedade, desvalorizando as emoções que envolvem a perda de uma gravidez."

Livre, BE e PAN acusam Governo de "crueldade". Pedro Nuno atira: "Não querem saber das famílias"

Na ótica do porta-voz do Livre, Rui Tavares, a proposta do Executivo é uma "reversão" que "exclui gente". "Eram três dias que tinham uma função importante do ponto de vista do reconhecimento nas políticas públicas da dor de alguém que passa por uma situação de luto gestacional, mãe e pai. Acabar com isto é, em si mesmo, grave", disse.

Rui Tavares apontou também o dedo ao Governo não só por se substituir ao trabalho dos jornalistas, através de "falsas páginas de verificação de factos", mas também por "procurar mentir acerca da sua própria política". 

"Em vez de esclarecerem, de recuarem quando reconhecem que é errado, o que fazem é dobrar a aposta numa política que é errada e ainda tentar confundir o eleitorado dizendo: 'não, isto não desapareceu, isto continua aqui, só que com outro nome ou de outra maneira", lançou.

Já a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, disse ser "absurdo e incoerente" que o Executivo "confunda, no seu preconceito e cegueira ideológica, o direito das mulheres à interrupção voluntária da gravidez com o direito a um pai e uma mãe viverem o luto por terem perdido um filho".

Luto gestacional? Livre, BE e PAN acusam Governo de ataque às famílias

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Livre, BE e PAN acusaram hoje o Governo de crueldade e de atacar as famílias ao propor a revogação do regime de falta por luto gestacional, apelando a um "sobressalto cívico" contra esta medida.

Lusa | 13:48 - 27/07/2025

"Isto só vem demonstrar que este Governo está a pôr mais uma vez sob ataque não apenas o direito das mulheres, mas o direito que temos enquanto sociedade a podermos fazer o luto quando temos uma perda desta natureza", complementou, assegurando que pedirá uma audição à ministra do Trabalho na Assembleia da República, uma vez que Maria do Rosário Palma Ramalho "deve uma explicação a todas as mulheres, a todas as famílias que perderam os seus filhos e que têm o direito a este luto".

Por seu turno, o dirigente e ex-líder parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), Fabian Figueiredo, apelou a que a população "manifeste o seu desagrado", por forma a impedir "que esta crueldade se inscreva na lei".

"Isto é uma crueldade e necessita de um sobressalto cívico. Perder um filho é uma dor gigantesca. Que nós, em 2025, discutamos o fim do direito ao luto gestacional é uma crueldade imensa, que tem de ser travada", alertou.

Pedro Nuno critica alterações ao luto gestacional:

Pedro Nuno critica alterações ao luto gestacional: "Não querem saber"

O socialista fez a sua primeira publicação política após deixar o cargo de secretário-geral do PS e criticou revogação do regime de falta por luto gestacional e o acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos.

Notícias ao Minuto | 19:44 - 28/07/2025

O antigo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, também criticou a medida, que disse demonstrar "mesquinhez, insensibilidade e ignorância" por parte do Governo, já que "o que fazem é terminar com a possibilidade da mãe e do pai tirarem três dias por luto gestacional quando não se justifica que a mãe tire a licença por interrupção da gravidez".

O socialista colocou ainda em causa o facto de, no caso do outro progenitor, se falar em "assistência à família", concluindo que, "no essencial, esta revogação é apenas uma redução de direitos".

"O pai não sofre com a interrupção de uma gravidez desejada? Não tem direito ao luto?", questionou.

E acusou: "A Direita que não encha a boca para falar de família, porque na realidade não querem saber das famílias, nem do sofrimento por que estas passam quando há uma perda gestacional."

Leia Também: Governo pretende eliminar falta por luto gestacional

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