Em 06 de agosto de 1945, Bae lembra-se de ouvir os aviões a sobrevoar a casa enquanto brincava. Poucos minutos depois, deu por si enterrada sob os escombros.
"Disse à minha mãe em japonês: 'Mamã, há aviões! Há aviões'", contou Bae à agência de notícias France-Presse (AFP).
Os tios não sobreviveram à queda do prédio onde viviam.
"Nunca disse ao meu marido que estava em Hiroshima e que tinha sido vítima do bombardeamento", admitiu Bae.
"Na altura, as pessoas diziam que se casava com a pessoa errada se ela tivesse sobrevivido a um bombardeamento atómico", explicou.
Os dois filhos só souberam que tinha estado em Hiroshima quando se registou num centro para vítimas na cidade natal de Hapcheon, na Coreia do Sul.
A radiação que a afetou obrigou-a mais tarde a retirar os ovários e um seio, devido ao elevado risco de cancro.
Cerca de 740.000 pessoas morreram ou ficaram feridas nos dois bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, ocorrido três dias depois, em 09 de agosto.
De acordo com os dados disponíveis, mais de 10% das vítimas eram coreanas.
Kim Hwa-ja tinha 4 anos em 06 de agosto de 1945. Lembra-se de ter sido obrigada a fugir de Hiroshima numa carroça puxada por cavalos.
"O fumo enchia o ar e a cidade estava a arder", contou.
A mãe gritava-lhe que se escondesse debaixo de um cobertor e que não olhasse.
As organizações calculam que cerca de 50.000 coreanos se encontravam na cidade nesse dia, incluindo dezenas de milhares que eram obrigados a trabalhar nas instalações militares, mas os registos são incompletos.
"O edifício municipal foi tão devastado que não foi possível encontrar documentos claros", disse um funcionário local à AFP.
A política colonial japonesa proibia a utilização de nomes coreanos, o que complica a tentativa de encontrar registos.
Os sobreviventes que permaneceram no Japão tiveram de suportar uma dupla discriminação: como sobreviventes, ou 'hibakusha' em japonês, e como coreanos.
As vítimas coreanas só foram reconhecidas no final da década de 1990, quando foi erigido um memorial no Parque Memorial da Paz de Hiroshima.
As dezenas de milhares de sobreviventes coreanos que regressaram ao país recém-independente também foram estigmatizados.
"Na altura, havia rumores infundados de que a exposição à radiação podia ser contagiosa", explicou, o diretor do Centro de Vítimas da Bomba Atómica, Jeong Soo-won, que organiza uma cerimónia na quarta-feira em Hapcheon.
A nível nacional, estima-se que existam cerca de 1.600 sobreviventes sul-coreanos ainda vivos, 82 dos quais vivem no centro, disse Jeong.
Em 2016, Seul promulgou uma lei especial para ajudar os sobreviventes, incluindo um subsídio mensal equivalente a cerca de 62 euros, mas não presta assistência aos descendentes.
Muitos deles foram "afetados pelos bombardeamentos e sofrem de doenças congénitas", pelo que a ajuda deve ser planeada para o futuro, acrescentou Jeong.
As duas bombas atómicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki, que precipitaram o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), são os únicos casos na História em que foram utilizadas armas nucleares em tempo de guerra.
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