O projeto de construção de uma ponte sobre o estreito de Messina, entre a Sicília e o continente italiano, na maior ponte suspensa do mundo, recebeu hoje a aprovação definitiva, anunciou o Governo.
O projeto do governo, no valor de 13,5 mil milhões de euros, recebeu a "luz verde" definitiva do comité interministerial para o planeamento económico e o desenvolvimento sustentável, tal como antecipara na segunda-feira o ministro dos Transportes e Infraestruturas, Matteo Salvini, grande impulsionador desta polémica obra.
"Agora é necessário o visto do Tribunal de Contas, mas conto começar com os estaleiros, as obras e as expropriações entre setembro e outubro. Se continuarmos como começámos, o objetivo é podermos atravessar a ponte entre 2032 e 2033, como previsto pelos engenheiros", disse Salvini, em conferência de imprensa.
O projeto inclui a construção de uma ponte suspensa de 3,3 quilómetros, o que a tornará a maior do mundo, com duas vias férreas no centro e três faixas de rodagem de cada lado, e ainda 40 quilómetros de ligações rodoviárias e ferroviárias, três novas estações ferroviárias e um centro de negócios na Calábria.
Esta ideia de uma ponte a ligar a península italiana à ilha da Sicília, contestada por muitos em Itália, até porque será realizado apenas com dinheiros públicos, é pensado deste os tempos da Roma antiga, tendo sido já aprovado e cancelado por diversas vezes por diferentes governos italianos desde 1969.
A ponte sobre o estreito da Messina era também uma ambição do antigo primeiro-ministro e magnata Sílvio Berlusconi, falecido em 2023. Nunca chegou a avançar pelo alto custo do investimento, preocupações ambientais e também receios de infiltração da máfia, particularmente ativa na Sicília e na Calábria, a região do continente com a qual a ilha ficará ligada.
Contudo, na sequência da chegada ao poder, em 2022, do atual Governo de direita e extrema-direita liderado por Giorgia Meloni (líder do partido pós-fascista Irmãos de Itália), que integra também o Força Itália (fundado por Berlusconi) e a Liga de Salvini.
Apesar de o Governo defender que a ponte será um "acelerador de desenvolvimento", são muitas as vozes a insurgirem-se contra este projeto e a alertarem para "o esbanjamento" de dinheiro público tão necessário noutros domínios.
Em maio passado, o maior sindicato da Itália, o CGIL, escreveu à Comissão Europeia a solicitar que rejeitasse a aprovação do plano, e citou "sérias questões técnicas, ambientais, regulatórias e sociais críticas".
Muitos autarcas e especialistas temem designadamente que a 'Ndrangheta e a Cosa Nostra, as máfias que dominam a Calábria e a Sicília, respetivamente, e que ao longo dos anos se foram infiltrando na economia legal, sejam as grandes beneficiadas com este projeto milionário.
Os especialistas advertiram que um dos setores onde a máfia tem particular poder é o das obras públicas, além de que o dinheiro público destinado à ponte corre o risco de ir parar aos bolsos de famílias ligadas à 'Ndrangheta e a Cosa Nostra, proprietárias de dezenas de milhares de hectares nas zonas afetadas pelas obras.
"Se não construímos a ponte porque existe a máfia e a 'Ndrangheta, então já não faremos nada", contrapôs Salvini, garantindo que o Governo vai vigiar "toda a cadeia de abastecimento" da obra para que seja impermeável a infiltrações mafiosas.
A nível técnico, muitos especialistas também advertiram para os desafios que uma obra desta envergadura comporta, assinalando que o estreito de Messina é conhecido por ventos violentos, que podem ultrapassar os 100 quilómetros por hora, pondo em risco a estabilidade da ponte, suportada por cabos de aço.
Além do mais, lembraram que esta parte do sul de Itália se situa na fronteira entre duas placas tectónicas e já sofreu sismos devastadores.
Os partidos da oposição também não pouparam críticas ao projeto, apontando que representa "o maior desperdício de dinheiro público já visto em Itália", suportado exclusivamente pelos cidadãos, "sem um único euro de investimento privado", e argumentaram que as regiões envolvidas, Sicília e Calábria, "precisam de infraestruturas para o bem-estar dos cidadãos, como caminhos de ferro, água potável e transportes, e não uma ponte que liga duas áreas com infraestruturas devastadoras".
"Nem mesmo Berlusconi se atreveu a fazer algo assim", deplorou Angelo Bonelli, deputado da Aliança Verdes-Esquerda, que criticou também "a arrogância" do Governo de Meloni por ter ignorado todos os pareceres ambientais contrários à construção desta ponte.
Roma pretende reclassificar este projeto como militar, para se aproximar do compromisso recentemente assumido pelos Estados-membros da NATO de consagrarem 5% dos respetivos PIB (produto interno bruto) a gastos em Defesa, até 2035, argumentando que aumentaria a mobilidade militar da Aliança, ao permitir a rápida transferência de tropas e equipamento entre o Norte da Europa e a região do Mediterrâneo.
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