"Quando tive o meu filho foi uma bênção, mas depois vieram as dificuldades", conta à Lusa, sentada à porta de casa, com o bebé Kayon, ao colo, no bairro da Mafalala, centro da capital moçambicana e onde a estrela do futebol Eusébio nasceu.
Um filho que não foi planeado já que, como tantas milhares de outras adolescentes moçambicanas, contracetivos não são prioridade: "Foi uma grande lição, nunca mais vou cometer esse erro na minha vida".
A vida de Diana Manhiça é reflexo de um relatório global das Nações Unidas que aponta Moçambique como o país com a quarta maior taxa de natalidade na adolescência, em raparigas de 15 a 19 anos, em todo o mundo, antevendo ainda a duplicação da população em 25 anos.
O relatório "Situação da População Mundial 2025", apresentando há uma semana em Maputo pelo Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), diz que a taxa de natalidade na adolescência, de 2001 a 2024, atingiu 158 em cada mil raparigas moçambicanas.
"Foi muito difícil, principalmente na escola. Tive que enfrentar bullying, mau-olhado. Aquilo para mim foi um grande desafio. Mas com o apoio dos meus pais consegui até lá, ao final do ano", recorda a adolescente, que trata do filho sozinha, com o apoio apenas dos pais, na mesma casa, onde vivem seis pessoas numa dúzia de metros quadrados.
A muito custo, o pai do seu filho, então de 23 anos, assumiu a criança, mas "nunca cuidou como deve ser". Depois do nascimento não ficaram juntos e não recebe qualquer pensão. O único apoio vem dos pais, apesar do receio que foi revelar a gravidez, que tentou esconder até à última.
"Desafio foi dizer ao meu pai que estava grávida. Demorei cerca de seis meses (...) Felizmente o meu pai recebeu a informação como deve ser, como eu não esperava", conta.
Na rua, e na escola, é que a realidade foi diferente, com os "olhares e críticas dos vizinhos que aumentavam com o crescimento da barriga".
"A minha barriga saiu aos sete meses (...) A minha mãe notou, o meu pai não", recorda, admitindo que sabia de planeamento familiar, mas que tinha "medo" de colocar um implante contracetivo, após ouvir alegadas dificuldades vividas por outras mulheres.
"Arrependi-me", desabafa, para rapidamente assumir que três meses depois de o filho nascer colocou logo o implante. Algo que, assume, deveria ter feito antes: "Faria sem pensar duas vezes, nem uma vez".
O relatório da FNUAP estima que a população moçambicana ronde este ano os 35,6 milhões de pessoas, sendo 44% com idade até 14 anos e apenas 3% acima de 65 anos. Em Moçambique, o relatório aponta 25 anos como o prazo para duplicação da população atual.
Alheia às estatísticas, Diana alimenta a vontade de ser enfermeira e apesar de a gravidez a ter feito chumbar no 10.º ano, nunca deixou a escola, por insistência do pai, que também a ajudou a montar uma pequena barraca.
"Um sonho? Ser enfermeira, porque quero ajudar muita gente. Tratar bem as pessoas", conta, assumindo: "Quero ser uma boa enfermeira".
Todos os dias levanta-se às 05:00 para cozinhar badjias (salgado frito) que serve com pão, no quintal, à porta de casa, e apas (pão achatado), que vende junto à escola.
Ao final da manhã deixa o filho no salão de barbearia do pai.
"Depois me preparo e vou para a escola, na Estrela Vermelha. Entro às 12:00", diz, com as mãos ainda cheias de massa, enquanto olha para o relógio, com a hora de sair para as aulas a chegar.
Apesar da vida "muito difícil" que assume levar, e do apoio total dos pais, espera do filho que "não cometa os mesmos erros", no planeamento familiar que não fez.
"Vou contar sobre os métodos contracetivos, para que ele [...] não brinque mal, para sofrer as consequências de ter um filho cedo", diz, enquanto assume, a medo, o desejo de lhe dar um irmão.
"Quero ter ele com tempo e hora. Para que ele não passe nenhuma dificuldade do que o primeiro passou. Tem de ser tudo com tempo", assegura.
O estudo do FNUAP sugere que apenas uma em cada três mulheres moçambicanas tem capacidade para tomar decisões sobre o número de filhos, pela dificuldade no acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, além de que em média uma criança em cada família resulta de gravidez não planeada. Aponta também o elevado índice de uniões prematuras, que afetam quase metade das raparigas (48%) e que dão à luz pela primeira vez antes dos 18 anos.
Hortênsia Zefanias, 21 anos, também faz vida no bairro da Mafalala e carrega ao colo os dois filhos. Engravidou do primeiro aos 17 anos e só contou à mãe, que vive em Inhambane, depois do parto: "Não foi fácil. Tentei aborto, não deu certo".
Interrompeu a escola no 10.º ano e hoje mora com o companheiro, que depende de biscates nas obras, a sogra e o cunhado, na mesma casa. Se antes nunca quis saber de métodos contracetivos, as dificuldades a isso a obrigaram e dois filhos depois colocou um implante.
"Eu sem filhos, agora, acho que estaria a trabalhar. Já teria concluído a escola", lamenta, ao mesmo tempo que garante: "Somos felizes, apesar das dificuldades".
De filhos "está bem assim" e voltar à escola é objetivo, sonhando em ser uma "empreendedora", até porque trabalhava numa barraca antes de engravidar.
E sobre os filhos, ainda bebés, assume que terá a conversa sobre o planeamento familiar, quando chegar a hora: "Ensinar o bom caminho, que não sejam que nem eu (...). Irem à escola e trabalharem".
No mesmo quintal de Hortênsia, numa casa de chapas igual a tantas outras, vive Cíntia, de 16 anos, a mais velha de três irmãos. Na altura nem imaginava, mas foi Hortênsia, que trata por cunhada, que lhe deu a notícia: Tinha então 14 anos e estava grávida.
"Não tinha barriga, só apareceu com quatro meses. Ela é que me descobriu. Tive medo de falar para a minha mãe", relata, nervosa, com a filha Anaya ao colo.
O namorado, então de 17 anos, negou que fosse o pai e pouco depois Hortênsia deixou a escola. Métodos contracetivos era algo em que não pensava e rapidamente, ainda criança, a vida mudou e as brincadeiras passaram a responsabilidade, como lavar roupa e limpezas, para ter dinheiro para o enxoval.
Agora tenta acabar o 9.º ano e assume o objetivo de cuidar da filha, sem pensar em namorados ou em mais filhos.
O objetivo: "Lutar pela minha família".
A filha tem apenas dois anos, mas Cíntia pensa no futuro e sobretudo nos "erros": "Vou-lhe pedir para saber como fazer as coisas com o parceiro dela".
Em Moçambique, segundo o estudo do FNUAP, a taxa de fertilidade é de 4,6 filhos por mulher, média que Emília Rodrigues, ou 'Maimuna', no bairro da Mafalala, conhece bem.
Engravidou pela primeira vez aos 17 anos, hoje tem 35 anos e quatro filhas, de três pais diferentes, o que a obrigou a deixar a escola no 5.º ano. A última foi há cerca de 10 anos, nenhuma programada mas sempre com o desejo, já grávida, de nascer rapaz.
"Era muito brincalhona", recorda, depois de usar restos de madeira para colocar a chaleira gasta ao lume, para fazer o chá para as mais novas.
"É que para ter essas todas, eu queria ter um rapaz. A cada gravidez nascia uma rapariga", conta, recordando o aviso que recebeu do irmão, que a ajuda em casa: "Menina, para lá de nascer [engravidar]".
"Essa barriga não é minha", foi a resposta que se cansou de ouvir dos companheiros, obrigando-a fazer pela vida.
Entre biscates, o apoio da mãe e do irmão, 'Maimuna' colocou o implante, algo com que nunca se preocupou, e o desejo de ter um rapaz ficou para trás, até ver. As filhas têm 17, 14, 12 e 10 anos, todas frequentam a escola e as mais velhas já colocaram implante contracetivo.
"É só se prevenirem", pede, enquanto mantém um lamento, ter deixado de estudar: "Arrependo-me, gostava de voltar. A escola é um caminho".
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