"Em Moçambique, só na região norte, cerca de um milhão de pessoas foram deslocadas devido à violência extrema. Estas comunidades enfrentam uma vulnerabilidade estrutural que é, infelizmente, fértil para redes de tráfico [de pessoas]", disse o chefe da missão dos Escritórios das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC, sigla inglesa) em Moçambique, António de Vivo, que falava durante o Fórum académico sobre o tráfico de pessoas, antecipando o Dia Internacional de Luta contra o Tráfico de Pessoas, que se assinala em 30 de julho.
Segundo o representante, o combate ao tráfico de pessoas não é apenas uma "questão legal", mas também social, cultural, institucional e "profundamente" humana, apontando a pobreza e o medo como fatores que intensificam a prática deste crime.
"O que torna este crime ainda mais doloroso é que, muitas vezes, ele ocorre diante dos nossos olhos, silenciado pelo medo, pela pobreza, pelo estigma e pela impunidade", lamentou António de Vivo.
Para António de Vivo, o tráfico de pessoas "mais do que um crime", é uma "violação gritante da dignidade humana", propiciando "vidas apagadas, sonhos interrompidos, famílias destruídas".
O chefe da missão garantiu que vai dar apoio institucional a Moçambique, por meio da concretização de "ações estratégicas", visando "fortalecer a capacidade técnica e operacional" dos atores envolvidos na luta contra o crime, que descreveu como transnacional.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique pediu hoje a aposta na formação de profissionais capazes de travar o tráfico humano no país, alertando para o uso de plataformas digitais no recrutamento das vítimas.
"As redes de tráfico organizado lucram com a exploração das vítimas que são recrutadas atualmente, por diversas formas incluindo as plataformas digitais, tornando o combate e a identificação das vítimas uma tarefa cada vez mais desafiante", disse a procuradora-geral adjunta, Amabélia Chuquela, na abertura do mesmo fórum.
O Ministério Público (MP) moçambicano pediu ação às instituições académicas, em parceria com o Estado e a sociedade civil, para travar este tipo de crime, indicando que só uma atitude coletiva pode garantir ferramentas estratégicas para impedir o contínuo tráfico humano.
Só no primeiro semestre deste ano, o MP moçambicano registou pelo menos cinco processos de tráfico interno de pessoas para exploração sexual e laboral nas províncias de Maputo, no sul do país, Niassa, no norte de Moçambique, e Tete e Sofala, no centro.
"Relativamente ao tráfico com conexões internacionais registámos dois processos-crime que correm termos no Gabinete Central de Combate à Criminalidade Organizada e Transnacional", referiu Amabélia Chuquela.
A procuradora-geral adjunta de Moçambique admitira já a 03 de junho dificuldades em investigar casos de tráfico humano, devido à "sofisticação" destas operações criminosas no país.
Segundo a procuradora, o 'modus operandi' destas redes "tem estado a sofisticar-se", o que não tem permitido que haja maior identificação de casos de tráfico humano no país.
Pelo menos 349 pessoas morreram em ataques de grupos extremistas islâmicos no norte de Moçambique em 2024, um aumento de 36% face ao ano anterior, segundo estudo divulgado em fevereiro pelo Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS).
De acordo com a instituição académica do Departamento de Defesa do Governo norte-americano, que estuda assuntos relacionados com a segurança em África, esta "recuperação dos níveis de violência" em Moçambique "reflete a estratégia" do grupo ASWJ -- afiliado do Estado Islâmico, a operar na província de Cabo Delgado - de "alargar o conflito, deslocando-se para o interior e para áreas mais rurais".
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