"A desnutrição crónica global na região classifica-se como 'muito alta', apresentando um valor de 47,1%, sendo superior na Huíla e no Cunene", refere-se no estudo publicado na Acta Portuguesa de Nutrição por Isa Viana, Carla Lopes, Duarte Torres e Rita Pereira Luís (Universidade do Porto), em coautoria com Ketha Francisco (Ministério da Saúde de Angola) e Liliana Granja e Sofia Rodrigues (FRESAN/Camões, I.P.).
A análise, baseada em inquéritos populacionais realizados nos últimos 15 anos, nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe, mostra uma tendência preocupante: "globalmente, nos últimos 15 anos, no sul de Angola, o estado nutricional e as práticas alimentares de crianças com menos de 5 anos aparentam ter piorado".
Segundo o estudo, "a desnutrição crónica global na região classifica-se como 'muito alta', apresentando um valor de 47,1%, sendo superior na Huíla e no Cunene".
A prevalência da desnutrição aguda global (DAG) também continua elevada, com valores que, em 2021, atingiram 19,3% na Huíla e 12,4% no Cunene, de acordo com o critério combinado de avaliação.
"A prevalência de DAG no sul de Angola, estimada mais recentemente no AVSAN 2021 [Avaliação da Vulnerabilidade e Segurança Alimentar e Nutricional realizada em Angola em 2021] (9,0%), encontra-se cerca de duas vezes acima do 'target' [meta] definido pela OMS [Organização Mundial da Saúde] nos Global Nutrition Targets 2025 (< 5%)", apontam as autoras.
Por outro lado, apenas 3,5% das crianças da região têm uma alimentação considerada adequada, segundo os critérios da Dieta Mínima Aceitável, que avalia se as crianças entre os 6 e os 23 meses consomem alimentos de, pelo menos, quatro grupos alimentares e fazem o número mínimo de refeições recomendado.
"A diversidade e a frequência alimentar das crianças dos 6 aos 23 meses aparentam um decréscimo", apontam os investigadores.
Apesar da tendência negativa nos principais indicadores nutricionais, o estudo destaca um dado positivo: o aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses apresenta valores elevados, atingindo 73,1% no Cunene e 63,2% na Huíla, superando a meta de 50% definida pela OMS para 2025.
O estudo associa a situação à insegurança alimentar severa provocada pela seca prolongada e defende medidas urgentes, recomendando a "monitorização sistemática do estado nutricional e a avaliação do consumo alimentar individual das crianças na região".
As autoras defendem também o reforço da formação de profissionais de saúde em nutrição e o investimento em infraestrutura especializada.
"Ainda que já existam estratégias políticas e programas de intervenção para a mitigação da desnutrição infantil e da insegurança alimentar, os resultados evidenciam que estas problemáticas continuam a ser um desafio", concluem.
A revisão científica foi realizada no âmbito do FRESAN -- Programa de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola, uma iniciativa do Governo angolano financiada pela União Europeia com 65 milhões de euros.
Implementado entre 2018 e 2025, o programa visou combater a fome e a pobreza nas províncias do Sul, em particular nas zonas mais afetadas pela seca.
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