O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, sublinhou, esta terça-feira, que é "absolutamente inaceitável" o que está a acontecer na Faixa de Gaza, dizendo que tomou "várias posições a condenar a instrumentalização da fome que agora é evidente".
"Quero deixar claro que o que se passa em Gaza é absolutamente inaceitável. Eu próprio fiz 'tweets' e tomei várias posições a condenar a instrumentalização da fome que é agora evidente. Sabíamos que estava a acontecer, mas não estava aos olhos do mundo", referiu em entrevista à RTP3, à margem da conferência Conferência de Alto-Nível para a Implementação da Solução dos Dois Estados, das Nações Unidas, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
O ministro salientou ainda que teve já diversos encontros com o primeiro-ministro palestiniano e que, para Portugal reconhecer o estado da Palestina, é necessário que cumprir os "parâmetros que foram enunciados" na conferência, realçando que "a autoridade palestiniana já deu garantias de cumprimento".
Destacou ainda que essas garantias foram dadas, inclusive, na "carta dirigida" ao presidente francês, Emmanuel Macron, e que isso "o levou a fazer o anúncio" de reconhecimento do estado da Palestina, na sexta-feira passada.
"Nós estamos no quadro do grupo de Estados que teve sempre a participação de Portugal, França, entre outros. Efetivamente, nós estamos nessas consultas, mas estamos aqui num ponto de viragem", disse.
E acrescentou: "A decisão de Portugal foi sempre articulada com a França, Bélgica, Canadá e outros países. Estamos aqui todos reunidos e é provável que saia daqui uma posição comum. Não é apenas o pacote do país".
Questionado sobre se o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, poderá reconhecer o estado da Palestina em setembro, Rangel afirmou que "é o Governo que tem essa competência, que depois é articulado com o Presidente". No entanto, referiu que têm existido "muitas conversas".
Paulo Rangel destacou ainda que, desta conferência, "surge sem dúvida uma ponto de viragem" e que "as condições ou quase todas as condições que o primeiro-ministro enunciou no Parlamento para um futuro reconhecimento parecem preenchidas".
"Acho que temos de aguardar pelo final desta conferencia, pelos documentos finais e quem os vai subscrever. Portugal subscrever é algo que é provável, não diria que é certo", notou.
Já sobre a ajuda humanitária a Gaza por parte de Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros sublinhou que o país esteve sempre "disponível para dar ajudar" e que deu "de várias maneiras".
"Portugal estará totalmente disponível para ajudar, embora não haja uma necessidade imediata da ajuda humanitária portuguesa", disse.
O que disse Paulo Rangel na conferência?
Paulo Rangel, transmitiu a "satisfação" das autoridades portuguesas com o "compromisso efetivo e sem precedentes da Autoridade Palestiniana com algumas condições essenciais, fundamentais para viabilizar a solução dos dois Estados e o reconhecimento da Palestina".
Entre estas condições, o chefe da diplomacia portuguesa destacou a disponibilidade da Autoridade Palestiniana - no poder na Cisjordânia - para condenar os "atos terroristas" do Hamas, que atacou Israel em 7 de outubro de 2023, e para apelar ao "total desarmamento" do movimento islamita palestiniano.
O apelo à "libertação imediata e incondicional de reféns e prisioneiros" - cerca de 50, dos quais se acredita que 20 estão vivos -; o compromisso com a reforma institucional e a organização de eleições num futuro próximo; a aceitação do princípio de um Estado palestiniano desmilitarizado; a disponibilidade para retomar a administração e o controlo total da Faixa de Gaza, e ainda o reconhecimento do Estado de Israel e das suas necessidades de segurança, foram outros compromissos destacados pelo ministro português como "verdadeiramente significativos".
"Na realidade, representam um novo passo para a concretização da solução dos dois Estados", destacou.
Para Rangel, a declaração da Autoridade Palestiniana, aliada a "uma nova posição de tantos Estados da região relativamente a Israel e ao seu direito à existência", marcam "um ponto de viragem".
O ministro iniciou a sua intervenção na conferência, organizada pela França e pela Arábia Saudita, com um veemente apelo ao fim da guerra, da crise humanitária e da fome.
"Este ciclo de violência e destruição tem de parar", pediu.
Portugal defende que a paz e estabilidade no Médio Oriente "continuarão a ser inalcançáveis enquanto aos palestinianos for negado o seu direito fundamental a um Estado soberano viável e Israel se sentir ameaçado".
"Para que isso aconteça, a guerra em Gaza deve terminar de imediato e a entrega maciça de ajuda humanitária deve ser retomada sem demora", afirmou Paulo Rangel.
Para o Governo português, "não há justificação para a fome nem para a morte desumana de civis, incluindo crianças".
"A liberdade de circulação dos palestinianos em Gaza deve ser totalmente restaurada. O deslocamento forçado da população palestiniana é simplesmente inaceitável", sustentou o ministro.
Rangel pediu igualmente o fim da destruição de casas e propriedades palestinianas na Cisjordânia, bem como da construção de colonatos em territórios ocupados.
"A violência dos colonos contra os palestinianos tem de ser travada", sublinhou, enquanto pediu a libertação "imediata e sem condições" dos reféns em Gaza.
Sobre o Hamas, referiu que "o horror dos ataques de 7 de outubro não pode ser esquecido" e "o terrorismo nunca pode ser justificado".
O chefe da diplomacia portuguesa acentuou que Portugal "reafirma o compromisso inabalável com a solução dos dois Estados".
"Só um Estado palestiniano, vivendo lado a lado com Israel, em paz, segurança e prosperidade, pode trazer justiça, verdade e paz à humanidade", salientou Rangel, que não abordou a questão do reconhecimento do Estado da Palestina por parte do Governo liderado por Luís Montenegro (PSD/CDS-PP).
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